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Entrevistas

Rota Lund: um patrimônio ameaçado

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Rota Lund: um patrimônio ameaçado
Cástor Cartelle durante a Terça Ambiental de abril / Crédito: Julia Mól / Amda

A riqueza de Lagoa Santa encheu os olhos e o coração de Cástor Cartelle. Assustado com a destruição da região por queimadas, desmatamentos, assoreamento de lagoas e a mineração, Cartelle se tornou um defensor assíduo da região, reconhecido como um dos maiores estudiosos quando se trata do rico patrimônio arqueológico e paleontológico da área.

Cartelle é Curador da Coleção de Paleontologia do Museu da Puc Minas. Professor titular aposentado da UFMG, é licenciado em Letras Clássicas, Filosofia e Ciências Biológicas; Mestre em Geociências (UFRS); e Doutor em Morfologia (UFMG). Cartelle é ex-componente do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam); ex-membro e Presidente de Câmaras da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam); e ex-presidente da Fundação Biodiversitas.

Ele foi o convidado da Amda para participar da Terça Ambiental de abril e falar sobre a Rota Lund. Confira a entrevista:

Amda – A Rota Lund engloba três unidades de conservação mineiras: Parque Estadual do Sumidouro, Monumento Natural Gruta Rei do Mato e Monumento Natural Peter Lund. O senhor considera que o projeto irá realmente beneficiá-las ou poderá incentivar degradação? Por quê?

Cástor Cartelle – O desconhecimento das riquezas que se encontram dentro da “Rota Lund” como são, dentre outras, as unidades de conservação citadas, é quase que universal. O que deveria ser um patrimônio comum e de conhecimento da população, chega a uma mínima porção dela. A degradação é consequência do desconhecimento e da omissão do cidadão e do poder público. Ao conhecer, esse patrimônio passa a ser amado e respeitado. Esse foi meu intuito ao pensar na Rota Lund. Mas eu não tenho o poder de decisão… Para certas mentes há coisas mais importantes: vantagens, mordomias…

Amda – Quais são os principais desafios para conservação das UCs?

C.C – A omissão tanto do cidadão quanto do poder público. Traduzida na frase tão usada: “não estou nem aí!” E, claro, o trator dinheiro. Diante do lucro… Tudo é derrubado. O meio ambiente, sua preservação e consequências para uma vida melhor está tornando-se, além de um lugar comum, quase que um engodo… Diante do lucro, o resto… É resto. Até que “nossa casa” não se torne interesse número um, primordial… Estaremos na prática do “Rolando Lero” da Escolinha do Prof. Raimundo.

Amda – O senhor aprova a forma como está sendo conduzida a proposta de parceria público privada para gerir a Rota Lund? Por quê?

C.C – É possível que, com essa parceria, o projeto decole… Porque o governo, até hoje, mostrou toda sua potência ineficiente. Igual foguete de festa: começou com toda potência com o apoio total do grande José Carlos Carvalho até, posteriormente, definhar. Era para explodir feito foguetório de passagem de ano, mas… Mascou.

Amda – Pode-se dizer que o senhor é apaixonado por essas áreas. Como começou essa relação e o que a fez continuar por tantos anos e transformá-lo em um verdadeiro defensor da conservação?

C.C – Foi uma consequência do olhar em volta. Lagoas, vegetação, rios, vida… Atual e do passado. Entrar em grutas, tocar o passado e descobrir evidências que estão por toda parte. A área arqueológica-paleontológica, ecossistemas de Lagoa Santa, Lund… São de causar inveja, orgulho, olhos arregalados. E fiquei chocado pela destruição avassaladora: queimadas, desmatamentos, mineração, assoreamento de lagoas, condomínios, aeroporto etc… E o tal do rodoanel que está a caminho. Minha participação começou pela campanha contra a instalação do aeroporto de Confins naquela região, sagrada pela sua riqueza. Creio que foi a primeira reação ambiental coletiva em BH. Foi a partir daí que conheci pessoas amantes da vida: José Carlos Lender, Hugo Werneck, Ângelo Machado, José Claudio Junqueira, Roberto Messias, Hiram Firmino, Octavio Eliseo, João Paulo Campelo, Célio Valle e muitos outros. Esses exemplos e a inércia do fazer certo foram me levando…

Amda – O senhor já escreveu diversos livros, inclusive se aventurou também no universo infantil. O que o motivou a escrever para crianças? Qual a importância de envolvê-los desde cedo na preservação de áreas como essas?

C.C – A criança é um presente de Deus: agora pela inocência, a ausência de mentira, a saudade do que fomos… (e deveríamos continuar sendo), e o futuro… Escrevo quase que por impulso: passar para frente o pouco que sei. Daí escrever artigos científicos, de divulgação, livros… Acho que é uma obrigação. E levar isso a crianças é valorizar esses cidadãos e plantar para recolher atuações mais conscientes num amanhã, que rápido chega. Meus principais artigos não foram os que escrevi para revistas científicas de ponta, como a famosa Nature, mas os da Ciência Hoje ou da Ciência Hoje das crianças… São elas que podem consertar, dar um rumo melhor, a esta nossa Terra comum a tantos, que é mártir.