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Entrevistas

Crise hídrica brasileira

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Crise hídrica brasileira
Marília Carvalho de Melo

Há anos ambientalistas e especialistas alertam sobre a capacidade das florestas de protegerem e alimentarem mananciais de água e, assim, prevenir crises como as que afetam diversas regiões do país atualmente. Marília Carvalho de Melo, secretária de Estado Adjunta de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, acredita que a falta de articulação mais efetiva entre a comunidade científica e as políticas públicas é um fator responsável pelo atual colapso hídrico brasileiro. Ela cita ainda a falta de planejamento e investimento históricos na gestão e na infraestrutura de recursos hídricos, seja ela natural – preservação das áreas de recarga, de preservação permanente etc – ou física – barragens de acumulação, sistemas de captação e distribuição.

Marília é Engenheira Civil com ênfase em Saneamento e Mestre em Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduada em Gestão com ênfase em Negócios pela Fundação Dom Cabral e doutoranda em Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi diretora de Monitoramento e Fiscalização Ambiental do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), presidente da Câmara Técnica de Integração de Procedimentos de Outorga e Ações Reguladoras do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, subsecretária de Controle e Fiscalização Ambiental Integrada da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e diretora-geral do Igam.
Confira a entrevista:

Amda – A sociedade vem sofrendo os efeitos da crise hídrica brasileira. Em sua opinião, porque o país chegou a este ponto?

Marília Carvalho – A atual crise hídrica que atinge parte dos estados do Brasil é resultado, de um modo geral, da falta de planejamento e investimento históricos na gestão e na infraestrutura de recursos hídricos, seja ela natural (a preservação das áreas de recarga, de preservação permanente etc) ou física (barragens de acumulação, sistemas de captação e distribuição etc). Por conta dessa falha histórica, temos que correr agora atrás do prejuízo.

Amda – Há anos, ambientalistas e especialistas alertam sobre a importância da proteção de matas ciliares no entorno de reservatórios, mas sempre foram ignorados. Agora que a situação está crítica, o tema começa a ser discutido. A senhora acredita que se medidas preventivas tivessem sido tomadas, seguindo orientações técnicas, o cenário estaria melhor?

M.C – Certamente. Outro aspecto complementar à resposta anterior é justamente esse: a falta de uma articulação mais efetiva entre a comunidade científica e as políticas públicas. Isso também é um fato histórico com causas múltiplas, mas o fato é que, ao contrário de outros países, não fomos eficientes nesse aspecto. Nossa intenção é que dessa crise venham as soluções que buscamos.

Amda – O que poderia ter sido feito para evitar a crise?

M.C – Não há uma resposta fechada para essa pergunta. Uma variedade de ações poderiam ter sido tomadas em tempos distintos ao longo dos últimos anos. Dentre as causas principais pode-se destacar uma subvalorização da sociedade em relação ao recurso hídrico. Como sempre nos acostumamos a viver em uma situação de aparente abundância, não reagimos na velocidade adequada aos sinais que a natureza enviou.

Amda – Minas Gerais é um dos estados afetados pela falta d’água. No final de 2014, um trecho do rio São Francisco chegou a secar. Enquanto a senhora ocupava o cargo de diretora-geral do Igam, quais medidas foram tomadas pelo órgão para enfrentar tal situação?

M.C – O Igam atua no seu nível de competência, em articulação com os comitês, no fomento de projetos de recuperação, na elaboração de planos de bacia, no monitoramento da qualidade da água e no apoio à formulação de políticas públicas. Mas é notório que a gestão das águas vai muito além de um órgão de governo. Para uma efetiva gestão destes recursos, há que haver articulação entre todos os níveis de governo (municipal, estadual e federal) e a sociedade como um todo.

Amda – A senhora foi diretora-geral do Igam por dois anos. Enquanto ocupou este cargo, a senhora passou por situações semelhantes?

M .C- Não, a atual situação de fato é atípica. Uma seca com essas proporções não é comum. Além disso, nossa sociedade também aumentou seus padrões de consumo. Quanto mais consumo, mais água é necessária. É uma combinação inédita.

Amda – Em São Paulo, a demanda por serviços para abrir poços artesianos teve grande alta em função da falta d’água. Minas também apresentou aumento da procura pelo serviço? Nesse caso, como funciona o processo para outorga da água?

M.C – Sim, houve um aumento desta demanda. Para a análise de qualquer tipo de processo de outorga são necessários documentos jurídicos e relatórios técnicos. A análise técnica é realizada em função da disponibilidade hídrica e de outros fatores analisados no contexto da bacia hidrográfica, como a demanda de montante e jusante, hidrologia, hidráulica, ecologia, qualidade da água e direitos e responsabilidades dos usuários. O quadro abaixo refere-se ao número total de pedidos de outorgas formalizados para captação de água subterrânea por meio de poço tubular nos anos de 2012 a 2014. Em 2012 foram 2.425; no ano seguinte 2.743; e em 2014 foram 3.731 pedidos de outorgas.

Amda – A senhora assumiu recentemente o cargo de secretária adjunta de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Semad. Qual será a atuação do órgão diante da crise hídrica mineira?

M.C – A Semad, juntamente com vários órgãos de governo e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, tem se desdobrado para lidar com a situação de forma a gerar o menor impacto para os usos prioritários de água, como o consumo humano e a dessedentação de animais. Nesse aspecto foi reforçado o monitoramento da quantidade da água e definidas normas e ações técnicas como, por exemplo, as declarações de escassez hídrica, para lidar com a questão da melhor forma possível e em parceria com a sociedade.

Amda – Minas Gerais pode enfrentar um racionamento de água ou apagões?

M.C – Isso depende de avaliações e modelos matemáticos dinâmicos. No que tange a racionamento de água, há possibilidade, mas o governo trabalha para que só seja adotado em situações extremas. No caso de apagões, não é competência da Semad a gestão deste tema.