Entrevistas

Resgate da liberdade

Contribuir para a preservação de ambientes naturais e, consequentemente, proteger os animais silvestres, é uma das principais ações desenvolvidas pela Amda. Em 2012, a organização implantou o projeto Asas – Área de Soltura de Aves Silvestres, que tem como objetivo a reintrodução de aves vítimas de tráfico ilegal ou maus tratos apreendidas pela Polícia Militar de Meio Ambiente (PMMA) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O projeto acontece nas proximidades de Belo Horizonte, em uma área de 300 hectares que abrange os biomas Mata Atlântica, Cerrado e Campos.

O Asas é um trabalho de extrema importância para proteção das aves silvestres e também uma tentativa de conscientizar a população que, muitas vezes, alimenta o tráfico sem saber de suas graves consequências. Para difundir que lugar de ave é na natureza, em diversas ocasiões, a Amda convida alunos de escolas da região para acompanhar a soltura dos pássaros.

Conheça mais sobre este projeto na entrevista com João Paulo Vasconcelos, coordenador do projeto. Veja também o vídeo do projeto.

Amda – Em que consiste o projeto Asas?

João Paulo Vasconcelos – Asas significa Área de Soltura de Animais Silvestres, ou seja, são propriedades devidamente cadastradas no Ibama, recentemente também no Instituto Estadual de Florestas (IEF), que se prontificam a criar alguma infraestrutura para que animais silvestres apreendidos pela Polícia Ambiental e Ibama sejam reintroduzidos na natureza. O projeto Asas foi criado em uma propriedade rural em Brumadinho, próximo à localidade de Casa Branca, há 40 quilômetros de Belo Horizonte. É um projeto patrocinado pela Amda e recebe apoio de diversos setores da comunidade local como moradores, condomínios, casas comerciais e outras instituições ligadas à preservação ambiental.

Amda – Como e quando ele surgiu?

JPV – Os proprietários da fazenda em que o projeto está inserido são de uma família numerosa, todos muito ligados à questão ambiental e, por este motivo, a fazenda é muito bem preservada. Sempre foi um sonho de todos transformar o local uma área de soltura de aves apreendidas pelos órgãos de fiscalização, pois sabemos que o local tem potencial para recebê-las. Daí surgiu esta parceria com o Ibama.

Amda – Como foi feita a escolha do local para implementação do projeto? A ocorrência dos biomas Mata Atlântica e Cerrado na área foi levado em consideração? Por quê?

JPV – A região de Brumadinho é privilegiada do ponto de vista da biodiversidade e felizmente teve um crescimento relativamente ordenado com pouquíssimos loteamentos irregulares. Predomina o bioma Mata Atlântica com boas manchas de Cerrado e ainda os campos de altitude, fazendo com que um grande número de espécies, principalmente de aves, seja encontrado naquele ambiente. Temos também, nas localidades de Piedade de Paraopeba e Casa Branca, uma população com bom nível de consciência ambiental, facilitando parcerias nos trabalhos de monitoramento e fiscalização das aves soltas. Além disso, temos o benefício da proximidade de Belo Horizonte e boas estradas até o local, o que facilita a logística da atividade.

Amda – Fale um pouco sobre a estrutura do projeto: viveiros, funcionários, rotina de cuidados com os animais.

JPV – Mantemos próximo à casa sede da fazenda, dois viveiros de 3X6 metros para a readaptação das aves, um para aves como canários da terra, papa capins, curiós e outros de menor porte; e outro para aves um pouco maiores, como trinca ferro, sabiás, pássaros pretos. É muito importante essa separação para evitar mortalidade por brigas entre as espécies. Temos também quatro viveiros de 2X4 metros onde são alojados alguns papagaios-verdadeiros sem condições de soltura por estarem mutilados ou sem condições de voo e, por este motivo, são mantidos presos, alguns com sucesso na reprodução em cativeiro. O funcionário que cuida das aves durante a semana se chama José Marcelino. Mesmo quando o número de aves para soltura é pequeno, ele mantém o compromisso de cuidar das aves em liberdade e que por algum motivo ainda dependem de cuidados e alimentação complementar. Os horários de tratamento também são usados para monitoramento dessas aves. Eventualmente e em momentos estratégicos, um ornitólogo faz uma visita à região para acompanhar as aves, identificando o grau de adaptação, dispersão ou até mesmo reprodução. Sempre novas espécies são catalogadas nos arredores do Asas.

Amda – Com que frequência o Asas realiza soltura de aves?

JPV – Normalmente, fazemos duas solturas anuais, sempre que possível acompanhadas de estudantes das escolas locais. É importantíssimo contarmos sempre com o apoio de um profissional ornitólogo com experiência, para avaliar o aumento e dispersão das diversas espécies reintroduzidas no sentido de nos orientar o momento certo de novas solturas.

Amda – Há casos em que as aves chegam machucadas ao Asas? O projeto já registrou a morte de algum animal que não conseguiu se recuperar de algum trauma sofrido?

JPV – Logo que são apreendidas, as aves são levadas ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que funciona no Ibama em Belo Horizonte. Quando chegam machucadas ou doentes, elas são mantidas por lá durante o tratamento e só depois são encaminhadas ao Asas para soltura. Mesmo assim, algumas aves podem chegar doentes ao Asas e o tratamento é realizado por lá também. Outras vezes, já aconteceu de aves se machucarem em liberdade e terem que retornar ao cativeiro para tratamento. Como exemplo, temos um papagaio-verdadeiro que, quando solto, foi atacado por um gambá e perdeu o olho esquerdo. Este exemplar é mantido obrigatoriamente no cativeiro e já está se reproduzindo.

Amda – Quais são os procedimentos adotados ao receber um novo animal?

JPV – Logo que chegam, adotamos, obtendo bons resultados, um tratamento preventivo com antibióticos e um coccidiostático. Mantemos essas aves por, no máximo, 30 dias em cativeiro para recuperarem sua melhor forma, incluindo um treinamento de voo. Após a soltura é indispensável um monitoramento das aves em liberdade, para avaliarmos a adaptação e, caso seja necessário, voltamos com a ave ao cativeiro para novos procedimentos.

Amda – É comum a chegada de animais em extinção? O tratamento é diferenciado?

JPV – Não. As aves em risco de extinção são encaminhadas para projetos científicos de criação em cativeiro; de reintrodução; ou até mesmo para criadores conservacionistas.

Amda – Quantas aves já passaram pelo projeto?

JPV – Desde 2012, foram encaminhadas ao projeto 559 aves, sendo 229 em 2012; 145 em 2013; e 185 no ano de 2014.

Amda – Quais as principais espécies abrigadas pelo Asas?

JPV – Chegam no Asas uma grande quantidade de passeriformes, sendo a maioria canários da terra e trinca ferros, além de papa capins, coleirinhos, curiós, azulões, sanhaços, sabiás, pássaros pretos, maritacas, periquitos e papagaios. Estes últimos, por manterem uma relação muito estreita com seus tratadores, têm grande dificuldade de readaptação à natureza. Por esse motivo, as solturas são rigorosamente monitoradas por um bom tempo e nem sempre os resultados são satisfatórios.

Amda – Muitas aves, ao serem reintroduzidas na natureza, não conseguem mais se adaptar e tornam-se dependentes da ajuda humana. Como identificar aqueles animais que estão prontos para serem soltos no ambiente daqueles que não sobreviverão?

JPV – Antes da soltura identificamos as aves que, por algum motivo, estão com dificuldade de voo ou com alto grau de domesticação e, se necessário, os mantemos por mais tempo em cativeiro. Após a soltura, o monitoramento é de fundamental importância. Aí identificamos aquelas aves com dificuldade de voo que não identificamos em cativeiro, além daquelas com dificuldade de acesso aos comedouros. A suplementação alimentar pós-soltura é também imprescindível. Se constatarmos que determinada ave não encontra a menor possibilidade de readaptação, reencaminhamos ao Cetas para novo destino.

Amda – O Asas realiza frequentes solturas, que contam com a presença de alunos de escolas da região. Como é esta relação?

JPV – As escolas de Casa Branca e Piedade de Paraopeba visitam com frequência o projeto, sempre nos dias de soltura. Boa parte das crianças já tem uma carteirinha que as identifica como protetora das aves e parceira do Projeto Asas. Outros já fizeram, a pedido dos professores de Ciências, apresentação com slides ao restante dos alunos da escola sobre o projeto, incentivando a não manutenção de aves em gaiolas.

Amda – Infelizmente, a cultura de criar pássaros e outros animais silvestres como domésticos ainda existe. Isto é abordado durante as visitas dos pequenos ao projeto?

JPV – Esse é o tema principal. A cultura de criar aves silvestres em cativeiro ainda é um problema não somente na região, mas em todo o Brasil. A mudança desse costume leva tempo, mas já percebemos claramente uma melhora nesse sentido. Sempre ensinamos às crianças que muito mais importante que reintroduzir espécies na natureza, é evitar que elas sejam capturadas para fins domésticos e as crianças já estão entendendo isso.

Amda – Qual é a importância deste trabalho de educação ambiental com as crianças?

JPV – É sem dúvida através das escolas com as crianças, a forma mais eficiente de mudarmos costumes como esse de manter animais em cativeiro É um trabalho com resultados lentos, mas que fica inserido para sempre. Apesar de já existirem espécies que necessitam de medidas urgentes e de curto prazo para não se extinguirem na natureza – e para isto se tornam necessários projetos específicos de preservação inclusive de reprodução em cativeiro -, é fundamental desenvolver na população o costume da observação sem aprisionamento. Não haverá captura de animais na natureza se não tiver quem os compre.