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Ciclo de Vida

Ciclo de Vida do Leite

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Ciclo de Vida do Leite

O último Censo Agropecuário do IBGE, de 2017, apontou que o rebanho de vacas ordenhadas no Brasil para a produção de leite é de quase 11,6 milhões de cabeças, número que só não é maior que a população de quatro estados do país — São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Segundo o levantamento, são mais de 1,1 milhão de propriedades rurais que fazem parte da cadeia, que movimentaram quase R$ 69 bilhões só neste período. Dados do estudo mostram ainda que os maiores estados produtores de leite são Minas Gerais (2,9 milhões de vacas), Goiás (1,08 milhão de vacas) e Rio Grande do Sul (922 mil vacas).

Mas a produção do leite, da forma como acontece hoje, gera graves impactos ambientais sobre o solo, água, ar e biodiversidade como veremos a seguir:

Impactos

1.1 Formação e manutenção de pastagens

Apesar do grande estoque de terras já desmatadas, a derrubada do Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia continua acontecendo para abertura de novas pastagens; existe grande área de pastagens degradadas por processos erosivos decorrentes do pisoteio do gado, principalmente em locais inclinados, com baixíssima relação hectare X cabeça de gado, como o vale do Rio Doce em Minas Gerais.

1.2 Instalações para criação do gado, ordenha, armazenamento e transporte do leite

– Construções: sendo de aço ou madeira, as construções necessárias à criação do gado (currais, salas, cercas) geram impactos diretos e indiretos. A produção do aço começa na mineração, atividade também impactante e consumidora de energia e água. A produção de energia gera graves impactos pelo barramento de rios ou utilização de carvão mineral nas usinas termelétricas, cuja queima é altamente poluente. A siderurgia é responsável por grande geração de gases causadores do Efeito Estufa.

A madeira usada, se de origem nativa, vem da derrubada da Mata Atlântica ou da Floresta Tropical da Amazônia. Se de plantios, também gerou impactos. Para derrubar a floresta ou colher o eucalipto, foram necessários máquinas (fabricadas com aço) e gasto de combustíveis fósseis: gasolina e diesel, cuja extração e processamento também demandara, máquinas, gastos de água e energia.

Currais construídos próximos a cursos d água, podem contaminar cursos d’água pelo escorrimento de fezes do gado.

– Ordenha: se mecânica, demanda materiais cuja fabricação demandou minério e energia, água, combustíveis fósseis.

– Resfriamento e armazenamento: após a ordenha o leite tem de ser armazenado e resfriado para ser transportado para cooperativas ou empresas: mais gasto de minério, energia e água.

– Transporte: feito por caminhões frigoríficos – a fabricação dos caminhões demanda minério, plásticos (vem do petróleo), energia, água e combustível fóssil; mais emissões de gases.

1.3 Processamento industrial: pasteurização, embalamento – fase que também demanda maquinário, energia, água, tetrapak ou garrafas plásticas (cuja fabricação também demandou recursos retirados da natureza, como alumínio fabricado com bauxita), embalagens plásticas. Mais impactos embutidos na cadeia produtiva do leite.

1.4 Transporte das fábricas para atacadistas, e destes para supermercados e vendas: mais demanda de caminhões e uso de combustível fóssil.

1.5 Emissão de gases causadores do Efeito Estufa

O principal gás responsável pelo Efeito Estufa que vem da cadeia do leite é o metano, que tem 80 vezes mais capacidade de provocar o aquecimento global quando comparado ao dióxido de carbono. Ele é gerado no processo digestivo do capim comido pelos animais e liberado na atmosfera pelo arroto e no cocô.

Análise do Observatório do Clima a partir de cálculos do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa divulgado neste ano apontou que, apesar de se comprometer com a redução de 30% das emissões de metano até 2030,o Brasil deve chegar ao fim da década com uma alta de 7%. E a agropecuária, de onde vem o leite produzido, é a principal responsável por isto.

A professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e coordenadora do Programa Família do Leite, Polyana Pizzi Rotta explica que 44% das emissões de gases poluentes na cadeia do leite vem do metano produzido pelas vacas no processo de digestão dos alimentos. Óxido Nitroso, decorrente do uso de fertilizantes que contém hidrogênio nas pastagens e plantios de cana-de-açúcar, soja, sorgo e outros para alimentação do gado, é outro gás gerado na cadeia de produção do leite.

A emissão de dióxido de carbono, segundo maior responsável pelo Efeito Estufa, acontece durante toda o ciclo de vida do leite. Seja de forma direta (desmatamento, queima de combustível fóssil, etc) ou indireta no processo de fabricação de insumos, materiais e maquinário necessários à produção do mesmo.

1.6 Destinação de resíduos diretos e indiretos gerados na cadeia: embalagens de remédios, agrotóxicos, sacaria (de fertilizantes, grãos), embalagens – a destinação incorreta de resíduos gerados no ciclo de vida do leite causa também graves impactos ambientais e à saúde pública.

Com exceção de embalagens de agrotóxicos, que em grande parte, são recolhidos e devolvidos aos fabricantes para destinação correta, grande parte dos resíduos diretos e indiretos são descartados erroneamente pelos fabricantes ou pelos consumidores finais.

1.7 Tratamento das vacas e bezerros

A ONG Animal Equality, que tem atuação em todo mundo, denuncia a crueldade de parte da cadeia leiteira com os animais. “As vacas criadas pela indústria do leite sofrem durante toda a vida. Desde o momento em que nascem são tratadas como “máquinas” de produção. É praxe que seus filhos sejam separados logo após o nascimento”. A ONG Mercy for Animais, denuncia em seu site, que “por trás do leite de vaca nas prateleiras do supermercado, existe uma mãe”.

Principalmente nas grandes fazendas, as vacas são engravidadas artificialmente, geralmente a cada 13 meses. Segundo a ONG, no total, costumam passar por três ciclos de lactação e, com menos de cinco anos são vendidas para matadouros, por não serem mais consideradas rentáveis para a indústria.

É praxe que logo após o nascimento, os bezerrinhos sejam tirados da mãe. Na natureza os filhotes mamam e são protegidos por suas mães até a adolescência. Vacas são animais inteligentes e amorosos.

Parte dos bezerros machos são mortos com quatro meses e transformados em “Babybeef”. E as fêmeas têm o mesmo destino que suas mães. Grande parte dos produtores que utilizam pastagens, não deixam uma árvore sequer nas mesmas, onde os animais possam descansar na sombra. Grande parte do gado é criado em sistema de confinamento durante toda a vida.

Conclusões:

Seja com fogo ou derrubada de árvores, o desmatamento ainda faz parte da pecuária para ampliação das áreas de pastagens, principalmente na região amazônica. Neste ano, a floresta já chegou a pior marca da história de perda florestal, segundo o Instituto de Pesquisas Especiais (Inpe). Ao todo, são 9.277 km² de área sob alerta de desmatamento. E com a derrubada, milhões de animais cujo lar é a floresta são mortos, populações indígenas são expulsas, toneladas de dióxido de carbono são lançados na atmosfera e o regime de chuvas alterado, conforme alertam os cientistas.

– Sustentabilidade ambiental: o leite, seja puro ou transformados em produtos é alimento básico para as sociedades humanas. Porém como dito, sua produção gera impactos ambientais sobre o solo, água, ar e biodiversidade de grande magnitude, que podem ser diretos ou embutidos na cadeia de produção de máquinas, fertilizantes, veículos, alimentos para o gado, queima de combustíveis fósseis e outros. Mas não precisa ser assim. Listamos a seguir, medidas que podem reduzir esses impactos e resultar em qualidade de vida para os animais:

– Desmatamento “zero” para novas pastagens e recuperação de pastagens degradadas. Impactos positivos: conservação do solo, não poluição de cursos d´água, não emissões, respeito/proteção da biodiversidade, diminuição do uso de fertilizantes químicos.

– Tratamento dos animais com respeito e cuidados

– Redução de geração de resíduos no processo produtivo.

– Utilização de insumos biodegradáveis no processo produtivo e no transporte (papelão por exemplo ao invés de plástico) ou recicláveis.

– Reutilização (embalagens retornáveis): em alguns países, o leite voltou a ser vendido em garrafas de vidro para reduzir a produção de lixo, pois as garrafas são retornáveis e reutilizadas. Mas no Brasil, ainda usamos embalagens Tetra Pak, gerando toneladas de embalagens, cuja maioria vai para lixões, pois a política de reciclagem no Brasil é muito fraca.

– Destinação correta do que não for reciclável.

– Redução de metano: a professora Polyana Pizzi Rotta lembra que já existem produtos disponíveis no mercado que ajudam a reduzir em até 30% a emissão de metano pelas vacas.

Assim, imprimir sustentabilidade ambiental na cadeia de produção do leite depende da responsabilidade dos produtores, empresas de processamento, fabricação e transporte, atacadistas e varejistas (super mercados, vendas, etc), dos governantes que elegemos como responsáveis por políticas públicas e de nós.

Enquanto consumidores, podemos exigir e propor medidas e normas para mudar esta situação, denunciar e cobrar providências, consumir leite (quando possível) produzido com maior responsabilidade ambiental, votar em políticos comprometidos com mudanças nesse sentido.

É claro que esta situação não mudará “de um dia para outro”, mas é preciso começar, mudando o presente para garantir o futuro. Deixarmos de ser “vítimas” da degradação ambiental e nos tornarmos “sujeitos” da sustentabilidade.