Entrevistas

“Discurso ambiental não é mais cativo dos ambientalistas. Estamos a um passo de termos cumprindo nossa missão”

“Discurso ambiental não é mais cativo dos ambientalistas. Estamos a um passo de termos cumprindo nossa missão”

O jornalista Hiram Firmino, diretor geral e editor da Revista Ecológico, é o convidado da Amda, desta semana, para falar de sua experiência como profissional na área de meio ambiente e apresentar uma visão geral do assunto no contexto atual. Conhecido como “repórter clorofila”, como ele mesmo explica, iniciou sua carreira no Estado de Minas e foi criador e editor do suplemento Estado Ecológico (1992-2001). Nesta entrevista, ele também conta como a infância influenciou sua profissão e que sustentabilidade, hoje, é questão de sobrevivência.

Amda – Como surgiu seu interesse pela questão ambiental?

Hiram Firmino – Eu tive o privilégio de ter nascido na estância hidromineral de Caxambu e passei minha infância e adolescência em dois ambientesdeterminantes: morava tanto na roça, na zona rural, em meio a rios limpos e uma natureza Atlântica exuberante; como estudava/freqüentava a cidade, notadamente o seu Parque das Águas, criado sob influência do bucolismo francês. O arquiteto Paul Villon, que criou o parque maravilhoso da minha cidade, foi o mesmo que idealizou o paisagismo das praças da Liberdade e Raul Soares, na época da fundação de BH.

Amda – Poderia citar alguns dos fatos nesta área que mais marcaram sua vida e
carreira?

H.F – Sim. Eu era, como todas as pessoas da época, sem consciência ambiental, um devastador contumaz da natureza. Pegava e assistia os girinos se debateram até morrerem em minhas mãos e, depois, ainda não satisfeito, os colocava nos trilhos ferventes do trem, e o aguardava para vê-lo passar por cima. Fora que, “limpar” em volta da nossa casa, era cortar todas as árvores e por aí em diante.

O que me marcou posteriormente, aos 18 anos, quando me mudei para BH para fazer
jornalismo e deparei com uma Belo Horizonte que não tinha o verde, as flores, as praças, os parques, os jardins que haviam naturalmente na minha cidade. Foi aí que a ficha caiu e passei a dar valor ao que tinha lá e faltava aqui. Ou seja, quando virei repórter do jornal Estado de Minas, passei a criticar, denunciar e cobrar, com arrependimento, o que aprendi a
respeitar e agradecer.

Amda – Como você avalia o jornalismo ambiental no Brasil? E especialmente em Minas?

H.F – Ainda em construção e extinção, em breve. Em construção, porque ele raramente existiu por um motivo simples. Segundo pesquisa feita pelo nosso colega Washigton Novais, o jornalista tradicional, que sempre ditou regras para os outros e não para ele também, não gosta de meio ambiente justamente por isso, por ter de ser coerente, o que lhe tira da sua zona de conforto: criticar e cobrar dos outros aquilo que ele nunca precisou fazer. Exemplificando: dentro da coerência ideológica ambiental, um jornalista que ainda fuma, polui e mata seu organismo, não tem o direito de denunciar um empresário que polui a atmosfera. Ou seja, o paradigma da questão ecológica é mais em cima; e os nossos colegas e donos de veículos nunca gostaram disso. Ainda acham meio inconveniente abordar esta temática. Preferem, preconceituosamente, nos chamar de ecochatos. Eu mesmo era apelidado de “repórter clorofila”.

Graças a eventos como a Rio + 20, os ecochatos hoje são todos os sete bilhões de habitantes do planeta, incluindo os jornalistas, publicitários e empresários da comunicação que vêm mudando suas concepções de mundo e profissão. Eles também já sabem que, ao invés do glamour e romantismo que sugere, o termo “sustentabilidade”, lato senso, significa “sobrevivência” mesmo.

Quanto ao futuro, agora antecipado pela Rio + 20, o jornalismo ambiental não precisará mais existir. A existência de cadernos de meio ambiente, tal como órgãos e instituições a exemplo de secretarias e ministério de Meio Ambiente, é apenas temporária, estratégica. Como dizia Hugo Werneck, a questão ambiental é transversal a todas as editorias e órgãos de governo.

Ela deve estar presente verticalmente em todas as pautas (economia, cultura, etc) e organizações, e não mais exclusiva. O próprio discurso ambiental não é mais cativo dos ambientalistas. Ele já caiu na boca do povo e dos governantes. Ele tornou-se pop até mesmo para os veículos de comunicação que até pouco tempo aboliam tratar do assunto. Nós estamos a um passo de termos cumprido a nossa missão.

Amda – Em sua opinião, qual o papel da mídia em uma sociedade que prega o consumismo e prioriza o aspecto econômico em contraposição à necessidade de mudanças drásticas no perfil de consumo, considerando que praticamente todos os meios de comunicação dependem de propaganda paga que veicula mensagens contrárias a uma sociedade sustentável para sobreviverem?

H.F – A mídia tradicional terá de seguir o mesmo caminho: torna-se sustentável. Até o Conar, que fiscaliza o exercício da propaganda, já criou o seu código de conduta. Anúncio ou anunciante que estiver mentindo em suas campanhas publicitárias, apenas dizendo, fazendo marketing que seus produtos são sustentáveis e na verdade não são, serão punidos. Ou seja: só teremos ganhos quando tudo- os veículos, a propaganda e o consumo se tornarem responsáveis diante do conceito da sustentabilidade. Trata-se de uma revolução profunda em curso, que mudará todos os nossos hábitos e maneira de pensar, caso não queiramos
morrer junto do planeta.

Amda -Como você avalia o impacto da aprovação do novo Código Florestal Brasileiro
e da construção de Belo Monte frente à realização da Rio+20?

H.F – Quanto ao código, acho que o Brasil achou o caminho do meio. Caso contrário, os ambientalistas seriam derrotados pelos ruralistas. Como nos ensinou o ex-ministro José Carlos Carvalho, se a natureza não dá saltos, não adianta tentarmos ser diferentes. Os avanços do ambientalismo sempre seguiram a lógica da guerra de guerrilha. A gente avança duas trincheiras à frente, e voltamos duas. Tem de ser assim. Em campo aberto e direto, a
ignorância e o status quo nos derrotarão. Não podemos pensar que somos a maioria, embora isso acontecerá mais dia menos dia, diante do estado e da realidade do mundo.

Amda – Qual é sua avaliação do atual governo de Minas na área ambiental? Considera
que houve mudanças perceptíveis na realidade?

H.F – Acho que sim, principalmente em termos de consciência e vontade política. Já as ações ainda são poucas e não ousadas como gostaríamos, por ainda reinar uma visão e cultura antigas nada ambientais. Quando, há uns 20 anos, um vereador, deputado, prefeito e governador falariam de meio ambiente? Hoje e no futuro, não abraçar esta causa, é suicídio eleitoral. E eles já sabem disso e começam a ser mover. Eles estão no mesmo barco.

Amda – Como você se avalia sob o quesito “consumidor consciente”?

H.F – Médio. Eu trabalho e escrevo tanto sobre meio ambiente e consumo sustentável que, quando viro um cidadão normal nas minhas horas de folga, esqueço de dar exemplos reais, fazer a minha parte como deveria. Mas não compro ou descarto nada como antigamente. Sei que estou condenado ao que Fritjot Capra descobriu e fez publicar no seu livro “O Ponto de Mutação”. Como todos os organismos vivos, de uma árvore à uma estrela mais distante, nós somos criativos, adaptativos e multiplicativos. A vida é assim, programadas para resistir, se recriar e dar certo. Não morrer nunca, mas se transformar. Tal como a causa ambiental que abraçamos lá atrás e agora, está sendo abraçada por toda a humanidade, inclusive por aqueles que não conseguem se sensibilizar pela beleza estonteante da natureza.