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Entrevistas
Parte II: “As esperanças estão na mobilização social e talvez no bom senso de alguns chefes de Estado”
Nesta segunda parte da entrevista para a série Desafios de Minas, Maria Dalce Ricas, superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), avalia as negociações da Rio+20. “A impressão que fica é do tipo: só mudo, se você mudar primeiro. E ai, passada a Conferência, todo mundo volta pra casa e pouco acontece”, preocupa-se. “Nossa sociedade é imediatista”.
Estado de Minas: Considerando as negociações já iniciadas na Rio+20 e os resultados da Eco92, qual sua expectativa para a Rio+20?
Maria Dalce Ricas – Não é das mais otimistas. O evento em si é importante, porque chama atenção do mundo para o problema ambiental , mas o foco foi bastante distorcido, inclusive pelo governo brasileiro, no sentido de que o tema predominante seja “o social”. Isso demonstra algo alarmante: os ocupantes do poder ainda não entenderam ou não querem entender (o que é pior ainda) que nunca existirá justiça social se não houver respeito ao meio ambiente, pois é dele que saem todos os recursos que o trabalho humano transforma em riqueza. Séculos de civilização já mostraram que, se degradação ambiental resolvesse problemas sociais, não haveria miséria no planeta Terra.
E.M.: A proposta brasileira para a Rio+20 é de uma economia verde inclusiva. É possível traduzir isso para a economia real?
M.D.R – Ainda acredito que seja possível, mas não fácil. Para transformar a economia que se assenta sobre o pilar do desperdício, é preciso antes de tudo que a transformação seja colocada como objetivo prioritário no mundo e defina políticas públicas. O governo brasileiro já está incorporando a expressão “economia verde” no discurso, mas nenhuma ação efetiva para mudar é anunciada. Não dá para acreditar que Belo Monte seja um empreendimento sustentável. Estimular a produção de veículos faz parte é da “economia cinzenta” que praticamos.
Cada país teria de fazer sua parte e, dentro dele, cada Estado e município. Mudar a matriz energética, implantar políticas sérias de planejamento familiar, construir um novo modelo de transporte que não seja com carretas, ônibus e automóveis, implantar educação ambiental que leve as pessoas a refletirem sobre seu papel de consumidores, reduzir o desmatamento apenas a projetos de real interesse público, estimular ao máximo a agricultura limpa são alguns caminhos que, acredito, teríamos de começar imediatamente a percorrer.
E.M.: Mas há espaço para isso na nossa sociedade?
M.D.R – Como disse, não é fácil. É preciso ter muita visão a longo prazo, e isso falta em nossa sociedade, que é imediatista e individualista. A ação dos ruralistas em relação ao Código Florestal é um exemplo da dificuldade política para essas mudanças. Eles moram no planeta Terra, mas parecem acreditar que estarão imunes aos desastres ambientais causados pelas alterações climáticas. E o pior: durante algum tempo isso será verdade, pois a degradação ambiental sempre atinge primeiro quem está na base da pirâmide social.
Outro grande desafio é o aspecto “inclusão”, ou seja, mais justiça social através de mais justa distribuição da riqueza. E, no mundo global, isto não depende mais da vontade de cada país, pois a exploração e consumo dos recursos naturais estão atrelados à economia internacional. Já está mais que provado que não há como nivelar o consumo pelos padrões americanos, europeus ou da elite dos emergentes (como o Brasil). Como convencer o povo americano a diminuir seu consumo para permitir, por exemplo, que os africanos consumam um pouco mais? Ou como dizer aos bilhões de chineses que eles não podem ter carros, geladeiras, TVs, mansões etc., porque já exploramos mais de 20% do limite que o planeta pode nos oferecer em recursos naturais?
A Economia Verde, por enquanto, é a união entre os desastres causados pela degradação ambiental e iniciativas verdadeiramente sustentáveis que, apesar de ainda serem ínfimas dentro do modelo econômico vigente, pipocam em diversos lugares do mundo. Os primeiros poderão causar tanto temor que a necessidade de mudança poderá tornar-se imperativa e, aí, essas iniciativas poderão ser “as luzes”.
E.M.: Quais as principais esperanças e temores em relação ao consenso e à adoção de políticas?
M.D.R – As esperanças estão na mobilização social e talvez no bom senso e comprometimento de alguns chefes de Estado, que podem puxar mudanças. Consenso, acho difícil, pois os países em desenvolvimento justificam a degradação e acusam os países já desenvolvidos de querer mantê-los assim. É claro que uma coisa não justifica a outra. Até pelo contrário. Deveríamos ter aprendido com eles. E penso que a impossibilidade de consenso dificulta compromissos e mudanças de políticas públicas. A impressão é tipo, “só mudo, se você mudar primeiro”. E ai, passada a Conferência, todo mundo volta “pra casa” e pouco acontece.
E.M.: Desde a Eco92, várias conferências foram realizadas. Mudou alguma coisa na mentalidade das pessoas ou na postura dos países?
M.D.R – Houve mudanças em alguns países que não chegaram, porém, a interferir globalmente. Tanto é que as metas do Protocolo de Kyoto relativas à diminuição da emissão de gases geradores do Efeito Estufa não foram cumpridas. Ao contrário, as emissões aumentaram. Considerando que as alterações climáticas ameaçam até nossas possibilidades de mudar a relação ser humano/natureza, é muito difícil não ser pessimista em relação ao futuro.