Cientista fala dos perigos de alimentos geneticamente modificados
Na Semana Mundial do Meio Ambiente, a Amda preparou uma entrevista com o cientista brasileiro Rubens Onofre Nodari, conhecido por sua vasta experiência em Genética Vegetal. Suas linhas de pesquisa incluem Organização da Variabilidade Genética, Melhoramento Genético de Plantas e Biossegurança de Organismos Geneticamente Modificados (OGM).
Em 2003, ele foi chamado para ser representante titular do Ministério do Meio Ambiente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável pelas decisões sobre transgênicos no Brasil, logo que o presidente Lula e a ex-ministra Marina Silva assumiram. Quatro anos depois, o professor teve que deixar a Comissão porque o prazo de seu mandato estava expirando. Porém, segundo as regras que regem a CTNBio, ele poderia ter sido renomeado por mais dois anos. O que não aconteceu. Na época, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Resende, vetou a recondução do professor Nodari. Pessoas ligadas ao assunto ficaram estarrecidas com a decisão do ministro.
Para o engenheiro agrônomo Valdir Izidoro Silveira, presidente da Empresa Paranaense de Classificação de Produtos (Claspar), por exemplo, “o professor Nodari é considerado um inimigo das multinacionais das sementes porque ele defende o meio ambiente brasileiro, a saúde das pessoas e a soberania da produção agrícola brasileira. O veto ao professor Nodari foi a prova cabal da dependência deste órgão aos interesses dos defensores dos transgênicos”.Confira abaixo, um pouco do que Rubens Onofre Nodari tem a dizer sobre a manipulação genética.
Amda – A manipulação genética tem trazido ganhos negativos ou positivos na qualidade nos alimentos? É possível exemplificar?
Rubens Nodari – Até o momento os produtos da tecnologia do DNA recombinante não trouxeram ganhos para a qualidade dos alimentos, ao contrário, e a razão é simples. As plantas transgênicas ou são resistentes a herbicidas ou produzem seu próprio inseticida. As variedades transgênicas carregam as duas características. Ou seja, nas plantas resistentes a herbicidas agora é possível aplicar herbicidas sobre as mesmas, que não morrem, mas seus grãos podem ter resíduos destes produtos. Antes, isso não ocorria porque herbicidas matam as plantas não transgênicas.Os produtos convencionais, cuja produção utiliza fertilizantes químicos e diversos agrotóxicos ou grãos que se tornam alimentos diretamente ou indiretamente via processamento, já tem resíduos de agrotóxicos. Esta constatação é feita anualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A cada ano que passa, uma percentagem cada vez maior de alimentos está contaminada com resíduos de agrotóxicos.
Comparativamente aos produtos convencionais, os alimentos derivados de grãos transgênicos podem conter, também, além da proteína transgênica, resíduos de agrotóxicos. Por exemplo, nos produtos convencionais não se utiliza herbicidas sobre as plantas a serem colhidas. Nas variedades transgênicas, sim. Então grãos de variedades transgênicas podem ter mais resíduos de glifosato, por exemplo, do que alimentos convencionais. Este produto é considerado hoje um exterminador de certos anfíbios e um disruptor (desregulador) endócrino em mamíferos. Ou seja, entra na corrente sanguínea e atinge todas as células do individuo, podendo afetar a expressão de genes na hora errada, da forma errada e local errado.
Já as plantas transgênicas que produzem toxinas, chamadas de plantas Bt, por meio de transgenes sintetizados a partir da bactéria Bacillus thuringiensis, podem promover resistência a alguns insetos. Esta toxina é muito diferente daquela produzida pelas bactérias, porque só uma parte do gene é transcrito ou genes engenheirados são misturas de dois ou mais genes, o que leva a produção de toxinas ainda não bem conhecidas pelos humanos. Ou seja, alimentos contaminados com toxinas ainda desconhecidas. Quando comparamos com alimentos orgânicos ou agroecológicos, a diferença é brutal. Enquanto os alimentos orgânicos ou agroecológicos são de alta qualidade biológica e nutricional, os alimentos de grãos transgênicos contem proteínas tóxicas e resíduos de agrotóxicos que fazem mal a saúde humana. Enfim, a tecnologia piorou a qualidade dos alimentos.
Amda – Quais danos podem ser causados ao meio ambiente natural devido ao cultivo de Organismos Geneticamente Modificados (OMGs)?
R.N – O cultivo em larga escala de OGMs, ou transgênicos, poderá provocar externalidades adversas ainda não adequadamente estimadas aos ecossistemas. De forma geral, a ameaça à diversidade biológica em consequência da liberação de OGMs decorre das propriedades do transgene no ecossistema ou de sua transferência e expressão em organismos não alvos. A adição de um novo genótipo numa comunidade de plantas pode proporcionar vários efeitos indesejáveis, como o deslocamento ou a eliminação de espécies não domesticadas, produção de novos patógenos, pragas ou agentes tóxicos, a geração de plantas daninhas ou pragas resistentes, a poluição e erosão da diversidade genética e a interrupção da reciclagem de nutrientes e energia.
Efeitos adversos em organismos não alvos da tecnologia têm sido comprovados em estudos feitos por cientistas independentes. Exemplo disso são a alternação no comportamento de abelhas, redução na taxa de crescimento de organismos aquáticos e terrestres e alteração na dinâmica populacional de várias espécies, pela mortalidade de algumas e benefícios de outras.Indiretamente, embora a propaganda dos proponentes da tecnologia tenha afirmado que os transgênicos reduziriam o uso de agrotóxicos, ocorreu o contrário tanto nos Estados Unidos, Argentina ou Brasil. Este aumento brutal de agrotóxicos está também causando enormes danos aos componentes da biodiversidade como nos processos ecológicos.
Amda – Em sua opinião, a manipulação genética contribui para controle do acesso a sementes pelos pequenos agricultores? Como isto acontece?
R.N – Sim, a semente deixa de ser resultado de centenas ou mesmo milênios de manejo e seleção de milhares de comunidades para ser propriedade de algumas poucas corporações. O controle do acesso à sementes se dá pela proteção intelectual, tanto na forma de patentes quanto na forma de proteção de cultivares.
Jose A. Lutzenberger (1926 -2002, agrônomo e ecologista brasileiro que participou ativamente na luta pela conservação e preservação ambiental), ainda em 1998, em carta enviada a CTNBio sobre a tecnologia de um dos produtos transgênicos, o terminator, afirmou que “este tipo de tecnologia nas mãos das mesmas poderosas corporações transnacionais da agroquímica, que nas últimas duas décadas conseguiram comprar praticamente todas as empresas importantes de sementes agrícolas e outras, longe de constituir-se, como elas alardeiam, em instrumentos para a solução dos problemas da fome no mundo, são, isto sim, poderosos instrumentos para a criação de dependência, isto é, de dominação. Agravar-se-ão, ainda mais, a marginalização e desestruturação social com o inaceitável séquito de miséria, fome, criminalidade, convulsões sociais”.
A manipulação genética trata-se da culminação de um processo que, desde o início do século, vem desapropriando o agricultor, especialmente o campesinado tradicional, retirando-lhe todas aquelas partes de seu trabalho que contribuem à renda segura e deixando-lhe somente riscos – como o risco de más colheitas por influências climáticas que ninguém pode controlar. Além de outro novo risco: o de fracasso econômico devido à crescente dependência de insumos, cada vez mais caros, ao mesmo tempo em que a crescente manipulação dos mercados reduz, cada vez, mais os preços de seus produtos.Ao ser permitido que a tecnologia que utiliza um gene recombinante in vitro, ou seja, um transgene, seja patenteada dentro de uma variedade, o país, bem como seus agricultores podem se tornar reféns de uma ou de poucas empresas que se tornam donas do germoplasma, que, até bem pouco tempo, eram patrimônio da humanidade. Esse regime de proteção intelectual, segundo Vandana Shiva (física, ecofeminista e ativista ambiental da Índia), pode nos levar ao que se chama de “empobrecimento intelectual e cultural”, sufocando outras maneiras de saber, objetivos para a criação do conhecimento e modos de compartilhá-lo.
Amda – Qual é a destinação da grande quantidade de soja produzida pelo agronegócio no Brasil?
R.N – Grande parte da soja produzida no Brasil é destinada principalmente para ração animal, produção de 95% do biodiesel e produção de óleo de soja. Adicionalmente, subprodutos dos grãos de soja são componentes de centenas de produtos alimentícios ou industriais. Também grande parte é exportada.
Amda – Em sua opinião, a agricultura orgânica conseguiria produzir alimentos em quantidade suficiente para alimentar sete bilhões de pessoas?
R.N – Segundo os estudos da ONU, sim. Um informe apresentado à Assembléia Geral da ONU, em 2010, sustenta que com a propagação de experiências seria possível criar um ambiente propicio para o modo de produção (agroecológica) sustentável mediante políticas públicas adequadas, entre elas, dar prioridade aos gastos públicos, investimento público na geração de conhecimento mediante o redirecionamento da pesquisa pública agrícola e estratégias de extensão; apoio às formas de organização social que fomentem as associações, empoderamento das mulheres e a criação de uma cadeia produtiva acoplado a um novo sistema macroeconômico propicio ao uso de agrícolas sustentáveis.
Outros estudos também demonstram que é possível produzir alimentos de alta qualidade biológica (orgânicos e agroecológicos) para a humanidade. A contrapartida, no entanto, é eliminar o excesso de consumo e o consumo de luxo praticado pelas sociedades dos países mais industrializados.É importante mencionar que um estudo feito por mais de 400 cientistas (IASSTD, www.agassessment.org), coordenado pelo Banco Mundial, conclui que a forma de fazer agricultura intensiva em produtos químicos e em larga escala não é mais uma opção que temos. Assim, a sociedade deve urgentemente empregar novas formas sustentáveis de agricultura.
Amda – Os cursos técnicos e universitários de engenharias agrônoma e florestal são voltados para ensinar boas práticas relacionadas à saúde humana e ao respeito ao meio ambiente?
R.N – Em geral não, pois ainda predomina nas universidades o ensino técnico baseado no uso intensivo de insumos químicos sem levar em conta as externalidades que vem sendo observadas e avaliadas nos últimos 50 anos. Mas há iniciativas particulares e coletivas nesta direção. Individualmente, professores que alcançaram a consciência sobre a situação insustentável do tipo de agricultura industrial já abordam estas questões em sala de aula. Além disso, já há cursos voltados para a produção agroecológica, tanto em nível de graduação como de pós-graduação. Entre estes extremos, existem grades curriculares em cursos de agronomia que contemplam a abordagem de sistemas de produção sustentáveis (ex: princípios de agroecologia, e permacultura).
Amda – Durante palestra no evento Sustentar 2012, em maio, em Belo Horizonte, o senhor comentou que o governo federal dá mais incentivo aos grandes produtores, isentando-os do ICMS por exemplo, enquanto os agricultores família, responsáveis por 80% da variedade de nossos alimentos, têm que pagar o imposto. Como funciona este incentivo?
R.N – O Convênio 100, de 1997, entre os secretários de fazenda dos estados estabeleceu redução em 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais, por exemplo, de inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes, adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores), produzidos para uso na agricultura e na pecuária.
Além disso, há estados em que a alíquota de ICMS para os agrotóxicos é zero! Ou seja, as empresas, além de pagar pouco ou não pagar impostos, deixam para a sociedade arcar com as externalidades negativas, como a remediação dos danos à saúde humana e ao meio ambiente. Intrigantemente, os produtos dos pequenos agricultores que alimentam a população brasileira, em geral, pagam impostos, mesmo aqueles produzidos de forma sustentável e sem contaminação ambiental.
*O professor Rubens Nodari possui graduação em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo (1977), mestrado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980) e doutorado – University Of California At Davis (1992). Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina.