Entrevistas

“Sem a Floresta Amazônica estaremos mortos”

“Sem a Floresta Amazônica estaremos mortos”

O economista Hugo Penteado trabalha no mercado financeiro há mais de 20 anos, é Economista-Chefe e Estrategista de Investimentos do Santander Asset Management e em 2003 publicou o livro Ecoeconomia – Uma nova abordagem. Ele considera o sistema econômico atual degenerativo e nesta entrevista critica a forma como o homem se comporta em relação ao Planeta, aponta alguns erros cruciais e alerta que é hora de mudar, antes que fique tarde demais.

AH – Você disse que sem a Amazônia estaremos todosmortos. Qual a relação de dependência que existe entre a Amazônia, o ecossistema e a nossa sobrevivência?

Hugo Penteado – Não é só com a Amazônia, mas com todos os ecossistemas e todos os seres vivos, tudo, nesse planeta está extremamente interligado. Quebrar esses vínculos vitais, como fazemos, é trazer para o nosso destino o risco de extinção. Na Terra todos os seres vivos dependem de todos os seres vivos e seus ecossistemas e aqui somos todos um do ponto de vista biológico. A Amazônia é um caso particular, mas muito evidente, dessa dependência. Eu fico pasmo de quase nenhum brasileiro, principalmente do sul, não saber que sem a floresta todos estaríamos mortos. Para se ter uma idéia, a floresta produz 19 bilhões de toneladas de vapor de água diariamente. Já provocamos o maior processo de extinção da vida na Terra que pode ser medido em números de espécies animais e vegetais perdidas por dia De tudo que entra pela nossa boca, mesmo alimentos sólidos, 80% é água. A água só existe porque existem os seres vivos e os ecossistemas. Se um dia eles sumirem, a água some junto e com ela todas as formas de vida. A Terra é um Titanic sem bote salva-vidas.

AH – Durante uma de suas palestras você criticou a “Cfilosofia do nunca morri”. Porque ela é perigosa?

H.P – Na verdade eu inventei essa filosofia, ela não existe, mas na minha experiência as pessoas possuem uma crença falsa na nossa infalibilidade e controle. Isso, pela ciência, é totalmente injustificável. Nós não comandamos nem criamos nada, nós não produzimos nem definimos nada, somos totalmente vulneráveis e dependentes de elos que deveríamos não destruir, mas preservar. Isso começa com o respeito a todos os seres vivos que nos sustentam. A filosofia é essa: estou escrevendo essa resposta agora, por isso nunca morri. Por acaso isso significa que nunca morrerei? O planeta nunca expulsou a humanidade, embora tenhamos aparecido no último segundo da sua existência e sejamos totalmente irrelevantes para o processo planetário. Isso por acaso significa que nunca seremos expulsos? Esse senso de superioridade será fatal para todos nós.

AH – Você disse que o sistema econômico vigente é degenerativo porque produz do berço para o túmulo enquanto o ciclo da natureza é do berço para o berço. Como seria o ciclo produção ideal?

H.P – Na natureza tudo vai do berço ao berço, ela nos ensina a noção de perenidade e mostra claramente que apenas o indivíduo é efêmero, transitório, mas a vida não, ela se renova a todo tempo, com os filhotes dos filhotes dividindo a mesma casa em comum. Nossa atitude não poderia ser mais gananciosa e egoísta, porque ignoramos a continuidade e ainda acreditamos no nosso senso de importância, embora ele seja negado pelo fato mais óbvio de todos: iremos todos morrer brevemente e nossa responsabilidade maior é deixar a casa em ordem para os que vão chegar. O ciclo de produção ideal deveria envolver dois aspectos: no ambiental ser um ciclo integrado à natureza, sem causar nenhuma ruptura e isso começa com a revogação imediata do crescimento econômico eterno; e no social o ciclo produtivo tem que ser capaz de trazer igualdade, liberdade, felicidade, criatividade e sentido para a vida de todos que nele participam. Está mais do que na hora de começar a mensurar a miséria humana não através do que as pessoas têm de menos, mas sim através do que elas têm de mais.

AH – O lixo é um problema mundial. Existem vários projetos para resolver o problema. O que você considera prioritário para resolver essa questão?

H.P – O fundamental é o sentido de urgência de regras políticas para acabar com o desperdício. Acho que estamos muito longe disso e sou muito pessimista. Mesmo a Europa que muitos acreditam ser mais sustentável, produz lixo sólido e contaminado que transborda em seus territórios e chega a cidades pobres da Ásia e da China onde seres humanos – nossos semelhantes – são submetidos às piores condições de sobrevivência para lidar com isso. Ninguém ataca o óbvio: ao invés de produzir mais e melhor, que requer mais matéria e energia de qualquer forma e aumenta a pegada ecológica, temos que usar a sabedoria de obter mais com menos e combater o desperdício.

AH – Já somos sete bilhões de pessoas no Planeta e temos a perspectiva de chegar a 10 bilhões de habitantes em 2050. Qual seria o padrão de vida possível nestas circunstâncias?

H.P – Os cientistas não têm mais a menor dúvida que daqui até 2050 a humanidade irá passar por um retrocesso populacional. Essas projeções de população de 2050 são feitas por demógrafos que assim como os economistas só pensam com variáveis quantitativas e assumem corajosamente que terá água o suficiente para todos, que o planeta é inesgotável. A atual e crescente crise da água e dos alimentos, lado a lado com os processos contínuos e diários de destruição de florestas e pressão sobre os ecossistemas e seus 22 serviços ecológicos, além das contaminações da nossa finíssima atmosfera com gases do efeito estufa que já causou uma assustadora mudança climática (pouco comentada…), deixam bem claros que jamais seremos em 2050 mais pessoas do que somos agora em 2010, ao redor de sete bilhões.

AH – Fala-se muito em consumo consciente. Para você como seria um consumo realmente consciente e sustentável?

H.P – Consumo que não implicasse no fim da vida na Terra. Consumo que levasse em conta a possibilidade de universalização. Na verdade o consumo não tem como objetivo atender necessidades reais, mas sim fictícias e acima de tudo provocar enorme diferenciação social entre os que têm e os que não têm aquele bem. Além de forçar todo mundo a acreditar que o único meio de se alcançar a felicidade e ter aquele bem. É meio controverso, mas o consumo diferencia pessoas que desejariam na verdade ser iguais: possuir e ser feliz como aquela pessoa em destaque, essa é a meta. O consumo consciente tem que responder a seguinte pergunta: todos os sete bilhões de seres humanos podem ter? Se a resposta for não, não é consumo consciente. A metodologia de pegada ecológica é um bom começo: se todos os sete bilhões de seres – humanos consumirem igual a mim, quantos planetas serão necessários, lembrando que só temos um? Na verdade ninguém nesse planeta vale pelo que tem nem pelo que sabe, mas por tudo aquilo que pode fazer pelos outros e pela vida. Falta descobrirem também que a vida mais importante que vivemos não é a nossa insignificante passagem pela Terra, do qual somos meros locatários.

AH – Você disse que o aquecimento global já apresenta vários feedbacks positivos. O que isto significa para vida na Terra e onde eles aparecem?

H.P – Feedback positivo é quando um determinado fenômeno cria elementos que aceleram seu resultado e entra em descontrole. Por exemplo: emitimos gases do efeito estufa e eleva-se a temperatura da Terra. Primeiro feedback positivo é o degelo encurtando a face branca da Terra que deixa de refletir para absorver luz e calor e retroalimenta o aquecimento. Esse já está em curso, basta lembrar que as tribos milenares do pólo norte já abandonaram os cães que puxavam trenós a favor de barcos e muitas aves migratórias foram obrigadas a mudar suas rotas. Outro efeito da elevação da temperatura com feedback positivo aparece nos oceanos, com a morte em massa do fitoplâncton que produz oxigênio e sequestra carbono, retroalimentando o processo também. Há vários casos como esses, daí a necessidade de precaução em relação aquilo que não sabemos ao certo quando pode acontecer, mas que se acontecer, a vida termina na Terra (o buraco na camada de ozônio é outro exemplo que conseguimos evitar).

AH – Qual a sua visão em relação ao homem e o Planeta Terra? Apesar de todas as dificuldades, você é otimista?

H.P – O homem tem que negociar com a Terra, como uma vez disse o paleontólogo americano, Stephen Jay Gould. Não somos nós que damos as regras, mas o Planeta. Não sou otimista, quando ando pelas cidades e vejo milhões de carros queimando combustível num meio de transporte medieval e ineficiente, com minha cidade tendo céu marrom e rios pretos, onde bairros nobres como Morumbi não tem saneamento, eu penso que não fizemos ainda nem o básico. A crise planetária que nós estamos vivendo é muito parecida com a crise financeira global de 2008: ela foi germinada durante décadas de inação e irresponsabilidade e até o dia derradeiro em que a economia inteira global quase foi para o colapso total e ninguém fez nada. Ainda não temos resposta se a economia global irá sobreviver – e dado os erros do nosso modelo econômico as chances de novas crises piores são altas. Em relação ao planeta, não teremos uma segunda chance.

Entrevista publicada no jornal impresso Ambiente Hoje, periódico mensal da Amda, edição de junho de 2011.