Opinião

Como a grandiosa missão do ICMBio para o Brasil está por um fio

*Clóvis Borges
Criado a pouco mais de dez anos, num desmembramento do IBAMA (Instituto Brasileiro do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) nasceu num processo conturbado, em meio a crises de funcionários contrários ao fracionamento do IBAMA. A expectativa, no entanto, era de que a independência estabelecida com a mudança trouxesse mais legitimidade, força e articulação para que os temas relacionados à conservação da biodiversidade fossem melhor atendidos no Brasil.

A ideia era que o ICMBio não fosse apenas responsável pelo manejo adequado das Unidades de Conservação no país, como costumeiramente ainda é reconhecido. Mas que fosse uma instância capaz de garantir e conciliar a conservação da biodiversidade em todos os espaços do território nacional. Uma dotação, portanto, muito mais relevante, por suas condições de abrangência e complexidade. Mas não foi o que aconteceu. Pelo menos não nos primeiros anos de existência do novo Instituto. Sem um corpo de funcionários mínimo, nem estrutura adequada, o desmembramento do IBAMA não foi em nada harmonioso. Mesmo os espaços físicos da antiga autarquia deixaram de estar disponíveis ao novo Instituto. Pelo menos dois anos de situação indefinida não permitiram uma atuação mais consistente, em função do caos instalado.

As dificuldades vividas nos primeiros anos, aos poucos, deram espaço à busca por maior equilíbrio. A contratação de novos funcionários públicos realizada pelo Governo Federal alimentou o ICMBio de um corpo de jovens profissionais de várias áreas de conhecimento, aumentando o contingente de colaboradores e oxigenando o grupo remanescente que vinha do IBAMA.

Se houver uma comparação com a estrutura da antiga e a SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente), atrelada ao IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) hoje IBAMA – nas décadas de 70 e 80, que fez milagres com apenas um punhado de funcionários numa época completamente avessa ao tema da conservação, o surgimento do ICMBio, realmente, representa um grande avanço potencial pelas condições que apresenta.

O que precisa ser ressaltado, entretanto, com todos os erros e mal entendidos que possam ter ocorrido, é que, finalmente, o Brasil foi capaz de estruturar, mesmo que ainda de forma muito aquém do que as demandas representavam, uma instituição diretamente focada no tema da conservação da biodiversidade. Nenhuma outra instância no âmbito federal tem hoje essa prerrogativa. Tal conjuntura coloca o ICMBio numa posição altamente estratégica no que se refere à tarefa de reverter os gigantescos processos de degradação ambiental no território nacional.

Há, realmente, um grande desafio inerente à maior missão do ICMBio: transformar a conservação da biodiversidade numa questão estratégica para o país e respeitada pela sociedade brasileira. E demonstrar que, tanto nos aspectos socioculturais quanto econômicos, há motivos de sobra para fazer da conservação da biodiversidade uma bandeira nacional, com maior poder político, independência técnica e orçamento compatível com seus desafios.

A luta do ICMBio, no entanto, recebe ânimos contrariados dos que ainda enxergam a conservação como um empecilho ao desenvolvimento. Trata-se de uma luta direta contra visões antagônicas ainda fortemente presentes e, em grande parte, constituídas pelos setores da economia que se beneficiam de forma indevida de toda a sociedade, ao sustentarem o avanço da degradação dos remanescentes naturais em todos os biomas nacionais.

Para a surpresa dos brasileiros, nesse atual momento em que a governabilidade do país vem sendo duramente contestada, surgiu, semanas atrás, uma manipulação política que buscava uma abusiva interferência político partidária na gestão do ICMBio. Esse descalabro ocorre, justamente, em coincidência com o anúncio de uma nova ferramenta inovadora que permite ao órgão um acesso a recursos robustos, que poderão lhe garantir melhores condições de atuação. Depois de alguma pressão feita por entidades conservacionistas, artistas, funcionários do órgãos e cidadãos preocupados com o abuso que a escolha representaria, a nomeação para presidente do Instituto de um nome bastante duvidoso ainda não foi confirmada.

Que permaneça a resistência para abortar qualquer iniciativa desagregadora, típica do fisiologismo barato e corrupto que parece dominar o Brasil. A sociedade deve continuar exigindo compromisso de gestões sérias, com boa estrutura e equipes qualificadas, com independência e sempre ciente de sua missão. Equipes cada vez mais comprometidas com as verdadeiras causas que representam o bem comum de todos nós: a manutenção e proteção do Patrimônio Natural brasileiro.

*Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e conselheiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).

Fonte: O Eco