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Opinião

Torneiras secas na África e clima estranho na Europa desenham o “novo normal” no mundo

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*Amelia Gonzalez

Esta terça-feira (27) foi um dia de muitas notícias sobre o clima. Na minha pesquisa diária pela internet, estava pensando em buscar mais informações sobre o “Dia Zero”, quando as torneiras de água vão se secar na Cidade do Cabo. Já há várias datas estimadas para que isso aconteça, sendo que a mais distante é em junho deste ano e a mais assustadora é daqui a dez semanas. Trata-se de um dos tantos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas e a Cidade do Cabo, na África do Sul, vai ser a primeira cidade a enfrentar o problema. Virão outras e, segundo estudos, São Paulo está entre elas.

Fiquei imaginando como seria viver com um racionamento de água que chegará ao limite de proibir banhos diários. Lavar roupa em máquina, nem pensar. Dar descarga será também uma atividade que precisará ser reduzida. E mais tantas outras coisas que se faz com água no dia a dia.

Há um Centro de Operações de Desastre na cidade, e o chefe local, Greg Pillay, entrevistado pela equipe do jornal britânico “The Guardian”, disse que já identificou quatro graves riscos que poderão ocorrer quando as torneiras se secarem de vez, entre eles surtos de doenças e anarquia nas ruas, com o povo em busca de água. Alguém consegue imaginar uma situação como essa?

A estratégia é: no lugar da água canalizada, a cidade vai ter 200 pontos de coleta, para garantir o mínimo de 25 litros por pessoa, máximo que será possível. Esses pontos estarão a cerca de 200 metros da casa de cada cidadão. A pergunta é: as pessoas poderiam ter evitado chegar a esse ponto, se tivessem poupado mais água?

Segundo o vice-prefeito Ian Neilson, houve uma campanha de informação pública que ajudou a reduzir o consumo diário de água da cidade, de 1.200 milhões de litros para 540 milhões de litros. Se as pessoas continuarem a colaborar e conseguirem diminuir em mais 25%, é possível que as torneiras possam continuar abertas.

Mas um comentário que chama a atenção na fala de Christine Colvin, gerente de água doce da WWF e membro do conselho consultivo da Prefeitura, para a reportagem do jornal, é de que o cenário atual foi previsto e que há outra previsão, esta sistematicamente esquecida, que põe a cidade no meio de uma alarmante zona de calor intenso no futuro.

“O que nós não sabíamos era quando esse futuro chegaria. As empresas e os investidores ouviram as projeções de longo prazo, mas não ouviram quando foi puxado o gatilho da arma. Se esta seca pode ajudar a esta conscientização, então isso poderia ser uma coisa boa. Se isso for visto como um teste de pressão para o novo normal, isso nos ajudará a nos adaptar”, disse ela.

O “novo normal” é aquele que muitos dirigentes, pessoas que poderiam ajudar a traçar novos caminhos para as rotinas dos cidadãos, entre eles o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, preferem fazer de conta que nunca terá que existir. O “novo normal” terá que ser construído passo a passo, com ações diferentes, com mais cuidado, com mais respeito às mensagens que o meio ambiente está emitindo.

Estamos a 20 dias do 8º Fórum Mundial da Água, que este ano vai acontecer no Brasil, em Brasília, e o “Dia Zero” é tema obrigatório para que o encontro não seja repleto de retóricas inúteis.

Pensando sobre as tais mensagens que não estamos conseguindo ouvir com atenção necessária, minha atenção foi desviada para outra notícia, publicada como manchete no site do “The Guardian” de ontem, dando conta de que os cientistas estão, verdadeiramente, alarmados com o aquecimento do Ártico. As tempestades de neve que estamos observando acontecer na Europa, se para os turistas são bons momentos de lazer, na verdade estão preocupando quem sabe “ler” as mensagens do clima. É que o frio deveria estar acontecendo mais ao Norte, onde está ocorrendo uma onda de calor alarmante, que vem obrigando os cientistas a reconsiderarem até mesmo suas previsões mais pessimistas de mudanças climáticas.

“O Polo Norte não tem luz solar até março, mas um fluxo de ar quente tem pressionado as temperaturas na Sibéria por até 35C acima das médias históricas deste mês. A Groenlândia já experimentou 61 horas de temperaturas acima do congelamento em 2018 – mais de três vezes mais horas do que em qualquer ano anterior”, descreve a reportagem no jornal.

É um clima “louco”, “estranho”, “chocante”, dizem os cientistas. Ruth Mottram, do Instituto Meteorológico Dinamarquês, disse que desde o final da década de 50, pelo menos, as temperaturas no Ártico não estavam tão elevadas.

Para não dizer que não falei de flores, vamos registrar que, pelo menos na intenção, alguns humanos que detém o poder estão começando a se preocupar e tomar atitudes para conviver com este clima louco, estranho, chocante. É o caso da Alemanha, que surpreendeu muita gente quando decidiu autorizar algumas cidades a proibirem carros a diesel por causa da poluição. O foco, aqui, não é exatamente a mudança do clima que também é afetada pela poluição, mas a saúde das pessoas. De qualquer maneira, é bom imaginar que estamos assistindo a uma mudança de rumo, também quando lemos a notícia de que os legisladores da Bélgica, em Bruxelas, aprovaram medida semelhante para proteger os cidadãos dos efeitos nefastos da poluição do ar da cidade. Lá, segundo reportagem do jornal português “O Público”, de cada vez que as medições da qualidade do ar apontarem níveis nocivos, a utilização da rede de transportes públicos passará a ser gratuita. Não é má ideia.

Não muito longe dali, também com intuito de proteger a saúde humana, mas quem sabe já focando implementar a necessária mudança em rotinas, a prefeita de Paris Anne Hidalgo está num embate com o Tribunal Administrativo da cidade por ter fechado para carros um trecho à beira do Sena em 2016. A população adorou, pedestres e ciclistas passaram a frequentar o espaço que antes era apenas para os carros. O lugar, que era barulhento e poluído, hoje é especialmente convidativo a caminhadas e ao lazer. Mas a decisão desagradou aos que preferem o “conforto” de andar de carro. Parece que a briga vai continuar, e a prefeita, assim como a Câmara Municipal, terão os parisienses a seu lado.

É o “novo normal” sendo costurado de maneira ainda desorganizada.

*Amelia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1