Opinião

Agora é lei: deputados votam pelo fim dos testes em animais

*Amelia Gonzalez

O Rio de Janeiro é mesmo um estado muito especial. Estudos e observações de economistas têm apontado uma imensa dificuldade em reerguer as contas dilapidadas pelas administrações que pouco ou nenhum critério conseguiram ter, nos últimos tempos, para preservar e fazer direito o dever de casa. A saúde, a segurança, a educação, os salários dos servidores, estão a gritar por socorro.Tem um inquérito aberto para apurar denúncias de que o governador atual, Pezão, recebeu propinas da Odebrecht. A sensação de calamidade é sentida em cada esquina, a tensão de quem habita a cidade do Rio de Janeiro é visível.

E, neste cenário, tem-se uma boa notícia para dar. A assessoria da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) passou-me nesta terça-feira (12) a informação de que, por unanimidade, foi derrubado o veto do governador ao projeto de lei 2.714/14, dos deputados Paulo Ramos (sem partido) e Gilberto Palmares (PT) e do deputado licenciado Thiago Pampolha, “que proíbe os testes feitos com animais no estado para desenvolver produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes”.

Se você, caro leitor, está julgando que é uma pauta banal demais para exigir a atenção dos ilustres parlamentares, em meio ao caos instalado no estado, tente imaginar, por favor, um outro mundo possível. Um mundo em que assuntos como este tornam-se prioridade diante da sequência de erros que vêm sendo cometidos pelos humanos contra a natureza. E um mundo que decide privilegiar os cuidados com os animais. Se não para não continuar cometendo atrocidades contra os bichos, pelo menos em respeito à biodiversidade que, como se sabe, é fundamental até para a continuidade da existência dos humanos no planeta.

Pois, sim. O estado do Rio de Janeiro, num momento caótico, põe luzes sobre um debate rico e antigo. Na verdade, o veto dado pelo governador no passado pode ter agradado bastante as empresas de cosméticos e de artigos de higiene que, para economizar, abrem mão da tecnologia já existente e não se incomodam em sujeitar seres vivos a experimentos dolorosos para criar produtos que facilitarão a vida dos humanos.

Vale fazer uma retrospectiva. Esta pauta entrou para a agenda dos ambientalistas nos anos 80 com Anita Roddick, empresária do ramo dos cosméticos que decidiu, na época solitariamente, investir em pesquisas para livrar os bichos de serem sacrificados. Foi ela quem lançou, junto com a ONG Greenpeace, a campanha “Salvem as baleias”, na qual se comprometeu a substituir o óleo de baleias por óleo de jojoba nos produtos de sua empresa.

Houve uma comoção em torno do tema. O Reino Unido, em 1998, decidiu proibir o uso de animais em testes e cosméticos, mas voltou atrás. Segundo a Health Products Regulatory Authority, agência reguladora de produtos de saúde do país, o número de animais utilizados em pesquisas vem aumentando.

Fato é que, na verdade, muitos estudos apontam severamente para a ineficácia desses testes em bichos. Coordenados por institutos nacionais de saúde de alguns países, relatórios apontam que 95% de todas as drogas que se mostram seguras e eficazes em testes em animais falham nos ensaios em humanos porque eles não funcionam ou são perigosos. Além disso, da pequena porcentagem de drogas aprovadas para uso humano que foram testadas em animais, metade se mostra inviável por provocarem efeitos colaterais que não foram identificados nos testes em animais. Talvez por conta do óbvio: as naturezas são diferentes.

Segundo a organização Peta (People for the Ethical Treatment of Animals ou Pessoas para o tratamento ético dos animais, em tradução literal), que atua desde 1980 e cujo lema é “Animais não são nossos para comer, vestir, usar em experiências ou para entretenimento” os norte-americanos gastaram centenas de bilhões de dólares em pesquisas sobre câncer desde 1971 com impostos, doações e financiamento privado.

“No entanto, o retorno desse investimento foi triste. Uma pesquisa de 4.451 drogas de câncer experimentais desenvolvidas entre 2003 e 2011 descobriu que mais de 93% falharam depois de entrar na primeira fase de ensaios clínicos em humanos, embora todos tenham sido testados com sucesso em animais. Os autores deste estudo apontam que os ’modelos’ animais de câncer humano criados através de técnicas como o enxerto de tumores humanos em camundongos podem ser precários” diz um texto no site da organização.

Não custa repetir, portanto, com o objetivo de apoiar a medida tomada por parlamentares do nosso estado, que já há outras formas de pesquisas clínicas para favorecer os humanos que não precisa do sacrifício de animais. As próprias pessoas podem ser as cobaias, sem prejuízo para ninguém.

“Um método de pesquisa chamado microdose pode fornecer informações sobre a segurança de um medicamento experimental e como ele é metabolizado no organismo, administrando uma dose extremamente pequena, abaixo do limiar necessário para que qualquer efeito farmacológico potencial ocorra. Os pesquisadores podem estudar o cérebro humano usando técnicas avançadas de imagem e podem até realizar medições para um único neurônio”, dizem cientistas entrevistados pelo site Peta.

Vale contar ainda, por curiosidade apenas, que na Itália existe uma lei que não só obriga a libertar os animais que são utilizados em laboratórios como também dá a eles a oportunidade de serem adotados. E, vejam que fotos incríveis foram feitas por um fotógrafo que acompanhou a libertação de alguns ratos de laboratório. Muitos queriam ver a luz do sol, outros queriam apenas se aconchegar aos humanos.

Ainda na linha “deputados mostram estima aos animais”, também foi votada nesta quarta-feira (13) um projeto que altera a lei sobre normas para a criação amadora de pássaros. A proposta é de autoria dos deputados Luiz Paulo e Lucinha, do PSDB, e André Ceciliano (PT) e, de acordo com o projeto, criadores com mais de cem espécies deverão ter autorização do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e laudo veterinário que ateste as condições dos animais. A proposta também determina que os torneios de pássaros somente poderão ser organizados e promovidos por associações e clubes que possuam cadastro no Inea e possuam autorização, com antecedência de 90 dias, da Federação dos Ecos Passarinheiros do Estado do Rio de Janeiro. Criadores com mais de cem espécies deverão ter autorização do Inea e laudo veterinário que ateste as condições dos animais.

Não chega a ser o ideal, que seria proibir manter pássaros em gaiolas, mas quem sabe é o início de um caminho para se chegar lá? Para finalizar, deixo com vocês o pensamento do historiador Yuval Noah Harari, que escreveu “Sapiens, uma breve história da humanidade”. Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, ele diz que é imoral a forma como a humanidade trata os bichos só por julgarem que eles são inferiores.

“Um dos crimes da história da humanidade é a forma na qual os humanos tratam os outros animais, principalmente os animais de criação. Hoje sabemos através de pesquisas científicas que as vacas, galinhas, porcos etc têm sensações, percepções, emoções, podem sentir dor, podem sentir medo, podem sentir amor. E estamos causando um enorme sofrimento a bilhões de animais anualmente”.

*Amelia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1