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Informações Ambientais

Pesquisador alerta para riscos ambientais da colheita indiscriminada de sempre-vivas e das dificuldades de sustentabilidade ambiental da atividade

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Pesquisador alerta para riscos ambientais da colheita indiscriminada de sempre-vivas e das dificuldades de sustentabilidade ambiental da atividade
Crédito: www.mundooutdoor.com.br

“Novos traços sobre a discussão sobre possíveis direitos de comunidades quilombolas em áreas do Parque Nacional das Sempre Vivas e do Parque Estadual do Rio Preto localizados na região de Diamantina foram acrescentados pelo biólogo e pesquisador Lúcio Bedê, em palestra realizada por solicitação da Amda. O assunto gira em torno de coleta de sempre-vivas nas duas unidades de conservação. O promotor federal , Helder Magno da Silva e o professor da Universidade Federal de Diamantina, Claudenir Fávero, conhecido como Paraná, alegam que a coleta é atividade de subsistência e pleiteiam retirada de 4.400 ha do parque estadual e grande parte do nacional para serem entregues a estas comunidades.

Na palestra, Lúcio Bedê, cuja tese de doutorado foi sobre efeitos do manejo extrativista sobre uma das espécies de sempre-vivas ocorrentes no parque do Rio Preto e que recentemente desenvolveu pesquisas no Parque Nacional das Sempre-Vivas, esclareceu que a viabilidade econômica do extrativismo de sempre-vivas não quer dizer necessariamente sustentabilidade econômica e ambiental, e muito frequentemente, ocorre o oposto.

“”Viabilidade econômica do extrativismo de sempre-vivas (e.g., Comanthera spp) em ambientes silvestres depende fortemente da relação entre o tamanho das populações das plantas – o que é, primariamente, uma função da extensão territorial disponível – e do número de usufrutuários (extrativistas). É seguro afirmar que, nessa modalidade de extrativismo, as viabilidades econômica e ambiental tem chance maior de ocorrer quando a densidade de usufrutuários (coletores / km2) é bem baixa. Aliás, isso não é exclusivo das sempre-vivas. Há inúmeros exemplos na literatura científica sobre o extrativismo de plantas e animais que apontam para o mesmo fato””, explica.

Ele esclarece também que a queima dos campos estimula muito a floração e pode contribuir para a viabilidade econômica – ainda que por um tempo limitado, mas existe um elevado custo ambiental associado à queima, que é a mortalidade de plantas. “”Este fator precisa ser considerado, se desejarmos que o extrativismo seja também economicamente viável por mais tempo e/ou ambientalmente sustentável””, reforça. Para ele, é preciso ter em mente que manejar com o fogo é manejar as sempre-vivas através da sucessão ecológica. O fogo é um processo natural do cerrado e é importante também para o ciclo das sempre-vivas. As questões realmente importantes são “”com que frequência queimar”” e “”quando queimar””, como parte das estratégias de manejo desse recurso.

Para ele, é justo reconhecer que a maioria dos coletores conhece profundamente o comportamento das plantas e entende os limites necessários do manejo para um extrativismo mais sustentável, nas que na prática esses cuidados não ocorrem, ou ocorrem muito aquém da medida necessária. Ele explica que as razões para isso são várias, mas é fácil entender a dificuldade de manejo ambientalmente sustentável quando se considera que se trata de um recurso disperso sobre amplas áreas; que os coletores frequentemente não tem domínio formal ou governança sobre o recurso, que é temporalmente limitado, e na forma mais difundida do seu uso não tem qualquer valor agregado (vende-se a flor “”in natura””), o que induz à coleta de grandes volumes para valer a pena o esforço. Lembra ainda que os coletores são eficientes e naturalmente buscam maximizar seus ganhos, colhendo o máximo volume no menor tempo possível. Estes fatores acirram a competição pelo recurso, dificultando a adoção, individual ou coletivamente, de medidas destinadas à sustentabilidade do extrativismo.

O biólogo lembra ainda que o cultivo dessas plantas é viável e simples, e rende mais, por metro quadrado, que o extrativismo em áreas silvestres. “”O plantio de sempre-vivas merece ser incentivado como alternativa à exploração de populações silvestres, adotando-se, é claro, as devidas precauções de ordem ambiental””, afirma.

Segundo ele, os dados das pesquisas têm indicado que o extrativismo de sempre-vivas, nos moldes como ocorre hoje, realmente tende a um esgotamento dos recursos no longo prazo, fato que pode ser aferido com os próprios coletores, que conhecem bem a realidade dos campos e tem testemunhado, de forma generalizada, o declínio da produção de sempre-vivas ao longo do tempo. Em alguns casos, isso pode vir acompanhado de um maior risco de extinção de espécies.

O uso sustentável das sempre-vivas é um desafio, pois é preciso lidar com fatores como a grande dispersão geográfica das plantas, com a heterogeneidade do estado de conservação das populações das diferentes espécies, e com as fragilidades da governança por parte dos órgãos ambientais – devido à exiguidade de técnicos, de recursos e mesmo de ferramentas tecnológicas necessárias.

Exemplificou que a sustentabilidade pressuporia por exemplo cadastrar os coletadores, providência importante, que ajudaria a entender quantos são os beneficiários, onde se concentram e em que grau dependem da coleta. Frisa ainda a importância de se entender melhor como funciona outro elemento chave – o comércio. Quais são as espécies visadas, que quantidades são extraídas e de onde vem o recurso extraído, e, mais importante ainda, como esses dados se comportam ao longo do tempo.

“”Esses dados são essenciais se quisermos pensar em políticas eficientes relacionadas à sustentabilidade do extrativismo e conservação da biodiversidade. Algumas das espécies que têm valor comercial apresentam pequenas populações, não suportando colheita contínua””, diz.

Em reunião realizada sobre o assunto no mês de agosto em Diamantina, defensores da diminuição dos parques utilizaram como exemplo a coleta do capim dourado no estado do Tocantins. Mas Lúcio esclarece que o manejo extrativista desta espécie, que tem destaque na região do Jalapão/Tocantis, e o extrativismo das sempre-vivas do gênero Comanthera, que é forte na região de Diamantina, ocorrem de formas muito distintas.

“”No caso do capim dourado, os escapos é que são colhidos, o que pode acontecer após flores produzirem e dispersarem as suas sementes, ajudando a repovoar o solo. No caso das sempre-vivas da região de Diamantina o alvo do extrativismo são as flores, e sua coleta tende a ocorrer antes que as plantas produzam sementes. E ele cresce em solos úmidos, o que protege mais as plantas dos efeitos nocivos do fogo””, esclarece.

Outro dano que é comum ocorrer, é o arrancamento de toda a planta ao se colher as flores, pois elas são pequenas e tem raízes superficiais. Como elas crescem lentamente, uma coleta descuidada pode causar um impacto significativo sobre suas populações. A adoção de técnicas como a poda das flores com tesoura, e a extração das flores na época e certa e nos horários certos certamente contribuiriam para maior sustentabilidade ambiental da colheita.

Para Dalce Ricas, as informações do biólogo reforçam a postura da Amda no sentido de que o assunto seja rigorosamente estudado. “”Neste contexto há duas coisas certas: diminuir a área dos parques não necessariamente resolverá problemas sociais das comunidades e estes não podem ser ignorados pelo poder público e pela sociedade. Mas certamente há alternativas que podem solucioná-los””, diz.