Espécie da vez

Buriti: a palmeira que dá vida às matas brasileiras

Buriti: a palmeira que dá vida às matas brasileiras
Buritizal / Crédito: Vivi Mesquita

O buriti (Mauritia flexuosa) é uma planta típica do Cerrado, considerada uma das mais singulares e abundantes palmeiras do país. Alastra-se em brejos e regiões pantanosas, servindo como um indicativo de que existe água na região. A espécie caracteriza as Veredas, tipo de vegetação presente no bioma cujo solo superficial proporciona umidade mesmo em períodos secos, tornando-se refúgio da fauna e flora, assim como local de abastecimento hídrico para os animais.

A árvore ocorre em matas de galeria e ciliares, podendo formar densos buritizais. Além do Cerrado, também ocorre em toda a Amazônia e Pantanal, sobre solos mal drenados. Multiplica-se através das águas: ao caírem nos riachos, os frutos do buriti são transportados, ajudando a dispersar a espécie em toda a região. Araras, papagaios e lagartos também ajudam na dispersão das sementes, pois transportam ou engolem os frutos inteiros, sem quebrar as sementes.

Esguia e elegante, essa palmeira mede entre 20 e 35 metros de altura. Suas folhas lembram o formato de estrelas. Floresce quase o ano todo, especialmente de abril a agosto. Seus frutos demoram de sete a 11 messes para maturarem, mas não são todos os buritis que produzem frutos: essa dádiva é exclusiva das fêmeas. As árvores machos produzem cachos que dão apenas flores.

Importância

O buritizeiro tem grande importância por alimentar e fornecer abrigo para outras espécies. Seus frutos servem de alimento para a ema, macaco-da-noite, jabuti, veado-mateiro, queixada, anta, dentre outros. Plantas também usam a palmeira para sobreviver. A orquídea baunilha-gigante, por exemplo, é uma espécie que depende dos troncos do buriti para se estabelecer.

Para surpresa de muitos, até sem vida essa palmeira é importante. Seus troncos ocos e secos servem de ninho para a arara-azul-grande, arara-vermelha, arara-canidé e andorinhão-do-temporal. O andorinhão-do-buriti prefere as folhas mortas, ainda presas na árvore, para construir sua morada. Já os animais que não se deliciam com o fruto, nem usam a árvore como abrigo – como o gato-do-mato, suçuarana, onça-pintada, jararaca-verde e jiboia – visitam os buritizais pela facilidade de se encontrar uma presa escondida.

Para os rios, o buriti é crucial. Ele pode chegar até a conservar locais alagadiços, de água pura e permanente. Em locais onde as nascentes estão secando é recomendado plantar a palmeira, assim como árvores de ingá, sangra-d’agua, entre outras.

Para os humanos, o buriti também é de grande serventia. Dele é extraído delicioso palmito e a polpa de seu fruto pode dar origem a doces, sucos, licores, vinhos e até sorvetes. Já o óleo extraído da fruta tem valor medicinal para os povos tradicionais do Cerrado, que o utilizam como vermífugo e energético natural. Também pode ser utilizado para fritar peixe, fabricar sabão e cosméticos.

O buriti ainda possui uma das maiores quantidades de caroteno – ou vitamina A – entre todas as plantas do mundo. São 30 miligramas por 100 gramas de polpa, sendo 20 vezes mais que a cenoura. O líquido é usado contra queimaduras, proporcionando alívio imediato e auxiliando na cicatrização. Por absorver radiações no espectro ultravioleta, também é um eficiente filtro solar.

Das folhas, retiram-se fibras que são usadas na confecção de artigos como cestas, cintos, agendas, chapéus, sandálias etc. Com os pecíolos (talos) das folhas são fabricados brinquedos, rolhas de garrafa e papel higiênico. Do estipe, espécie de caule, pode ser extraído até açúcar. Em certas regiões do Pará, as pessoas furam o tronco das palmeiras masculinas e recolhem de 8 a 10 litros de seiva para produzir o açúcar amarelo-claro.

O buriti foi imortalizado nas obras de Guimarães Rosa, sendo citado inúmeras vezes no clássico Grande Sertão Veredas.

“Buriti, minha palmeira,
lá na vereda de lá
casinha da banda esquerda,
olhos de onda do mar…”

Ameaça

Apesar de toda sua importância, o buriti está ameaçado pela aprovação da Lei nº 22.919/18, que altera a de nº 13.635, de 2000, e passa a permitir seu corte em caso de interesse social. A lei vigente até então permitia o corte somente quando atendesse a utilidade pública.

O PL aprovado é diferente do original. Mediante intervenção da Semad, o corte será permitido apenas quando “a espécie ocorrer desassociada do ambiente típico de Veredas”. A proposta inicial, de autoria do deputado Fabiano Tolentino (PPS), não fazia qualquer distinção. A Amda procurou o parlamentar para expor preocupação com a proposta. Tolentino admitiu não conhecer as Veredas e informou que o PL atendia diretamente os ruralistas. A entidade promoveu reunião entre ele e o geólogo Ricardo Boaventura, profundo conhecedor do assunto, mas, mesmo assim, o deputado não voltou atrás. Sua atitude ilustra bem a dissociação completa entre PLs e estudos técnicos/ambientais que deveriam subsidiá-los.

“Esta dissociação é frequente. Os parlamentares, com raras exceções, não se preocupam em avaliar impactos ambientais, econômicos e sociais de seus PLs. Aconteceu no processo de aprovação dos códigos florestais nacional e estadual e em diversas outras leis aprovadas pelo país afora. Acho que nunca deixarei de me indignar com os discursos cínicos e populistas de políticos e tomadores de decisão quanto à proteção da água enquanto aprovam leis para detoná-la, implantam ou estimulam projetos também neste sentido”, desabafa a superintendente da Amda, Dalce Ricas.

Saiba mais sobre a aprovação da lei.