Entrevistas

Um mundo coberto por plástico

Um mundo coberto por plástico
André Toledo / Crédito: arquivo pessoal

O mundo produz mais de 300 milhões de toneladas de plástico e apenas uma fração é reciclada. O restante acaba despejado em cursos d’água e chegam até aos oceanos, impactando a vida marinha.

Redemoinhos de água aprisionam grandes quantidades de resíduos nas correntes marítimas. No Pacífico Norte, por exemplo, existe uma ilha de plástico, com 1,3 milhão de quilômetros, equivalente ao território de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás juntos.

O plástico demora 450 anos para se decompor. Os animais marinhos não conseguem diferenciá-lo de comida e acabam morrendo de inanição. Caso isso não aconteça, ele pode ser pescado e parar no seu prato. Ou seja, o plástico volta para o início da cadeia e o homem termina comendo-o.

A Amda conversou com André de Paiva Toledo sobre os impactos do plástico nos cursos d’água e a ausência de normatizações jurídicas sobre o tema. Toledo é Doutor em Direito pela Université Panthéon-Assas Paris 2 (Sorbonne), Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara e diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR).

Amda – A legislação brasileira prevê a proteção dos cursos d’água? Quais são as punições previstas àqueles que poluem os recursos hídricos? Há fiscalização suficiente e eficiente?

André Toledo – Tanto o Brasil, quanto os demais países têm obrigação jurídica de preservar o meio ambiente natural existente em seus territórios e espaços de jurisdição nacional, independente do que se estabelece em sua ordem jurídica interna. Evidentemente, cada país é livre para determinar os meios, as estratégias, as medidas, os planos e políticas públicas necessárias para o cumprimento dessa obrigação. O Brasil prevê, em seu direito interno, a proteção do meio ambiente natural, do qual fazem parte os cursos d’água. Trata-se de matéria de direito ambiental, que será adotada individualmente pelos demais Estados que compõem a sociedade internacional. De modo geral, as punições previstas para violações ao direito ambiental ligado aos cursos d’água, no âmbito interno brasileiro, são de natureza administrativa. Contudo, a aplicação do direito e, consequentemente, a materialização dessas punições, dependem da ação de fiscalização, controle e responsabilização por parte de agentes públicos, o que acontece com frequência, tendo em vista uma maior conscientização ambiental das pessoas. A grande explicação para a eventual ineficácia normativa refere-se ao desinteresse do Estado em interromper, obstruir ou dificultar o exercício de atividades econômicas causadoras das diversas poluições, inclusive por plástico.

Amda – Quais as diferenças entre a legislação nacional e internacional para proteção dos cursos d’água?

AT – Há, na verdade, complementariedade entre a normatização internacional e as legislações nacionais. Há normas jurídicas internacionais gerais, que devem ser cumpridas por todos os países, que determinam, por exemplo, a obrigação de não causar um dano ambiental transfronteiriço. Essa obrigação impõe aos Estados, internamente, uma atividade legislativa, executiva e judiciária, que garanta o cumprimento da obrigação internacional. Outro dispositivo internacional geralmente em vigor determina que o Estado, sujeito de Direito Internacional, responde pelos danos ambientais causados por ato de particular. Isso faz com que os países estejam, dentro de suas fronteiras e seus espaços de jurisdição nacional, fundados em uma estrutura jurídica para evitar que esses danos aconteçam. É uma relação mais de complementariedade do que de concorrência.

Amda – O que se tem feito no exterior para proteger os oceanos do plástico? O que poderia ser feito no Brasil?

AT – A proteção dos oceanos contra a poluição por plástico é um desafio global por conta da quantidade de plástico que tem sido lançada ao mar. Além disso, em virtude da homogeneidade dos oceanos, não se consegue restringir a poluição por plástico a um espaço delimitado. Tem-se com a poluição por plástico o que existe com a poluição atmosférica e com o aquecimento global. Trata-se de um problema que afeta a todos e cujos mecanismos convencionais de responsabilização não são suficientes. Como aconteceu nos anos de 1990 com a questão da poluição por gases de efeito estufa, há agora um impulso grande por parte da ONU para colocar a temática da poluição marinha por plástico como tema de negociações internacionais globais. A proteção dos mares em face do plástico não se dá individualmente. O Brasil é um país com um vasto litoral. O espaço marítimo brasileiro é tão vasto quanto o seu território terrestre. Por conta dessa vastidão, que se chama comumente de “Amazônia Azul”, interessa muito ao Brasil manter o meio ambiente marinho equilibrado, não apenas como compromisso com os direitos fundamentais de sua população ou os direitos de outros Estados, mas como estratégia de desenvolvimento econômico sustentável. Claro que há medidas que devem ser tomadas internamente, pois 80% do plástico dos mares têm como origem fontes situadas em terra. Mas aqui, como no caso do aquecimento global, uma proteção efetiva depende da cooperação internacional.

Amda – Pesquisas indicam que 80% dos 8 bilhões de toneladas de plástico produzidas nas últimas décadas estejam dispersas na natureza, principalmente nos oceanos. Como isso afeta a vida marinha?

AT – É uma quantidade imensa de plástico que se direciona aos oceanos pelo sistema hidrográfico. Grande parte do plástico que está no mar chegou ali pelos cursos d’água. Trata-se de uma fonte importante de desequilíbrios dos ecossistemas hídricos, mas especialmente marinho, pois é ali que ele se deposita por muito tempo, desintegrando-se e sendo literalmente absorvido por elementos da biodiversidade. Essa absorção causa a morte desses indivíduos, mas implica também sua inserção na cadeia alimentar, o que é causa de problemas relacionados à saúde humana, tendo em vista que boa parte da alimentação vem dos mares.

Amda – Promover a reciclagem seria uma alternativa para que o plástico não vá parar nos mares? Como isso poderia ser feito?

AT – Toda alternativa que retira o plástico do ambiente é bem-vinda. A reciclagem, por consequência, é uma alternativa. Para tanto, seria necessário investimento em tecnologia de reciclagem de plástico para que essa estratégia pudesse ser universalizada. Neste sentido, tem papel fundamental o sistema de limpeza urbana, que impedisse que o plástico chegasse ao sistema de escoamento de águas. Logo, o poder público, em especial as prefeituras, têm uma responsabilidade direta na eliminação do plástico do meio ambiente. A falta de estrutura dos sistemas locais de limpeza urbana, aliada à baixa efetividade normativa e à quantidade de plástico produzida pelo setor econômico tornam quase impossível essa alternativa.

Amda – A obsolescência programada já se infiltrou no mercado capitalista, forçando-nos a comprar novos produtos, em períodos de tempo cada vez menores. Como reduzir a produção de lixo e, consequentemente, de plástico?

AT – A redução de plástico passa necessariamente por investimento em ciência e tecnologia que produza materiais de substituição economicamente viáveis. O plástico só existe porque é economicamente interessante. Ele só deixará de existir quando deixar de ser economicamente interessante, o que pode ser feito em tese por meio de norma jurídica, padrão de consumo ou substituição de menor custo. Em tempos de liberalização do comércio, austeridade fiscal e ausência do Estado das relações econômicas, ficamos nas mãos do consumidor ou do próprio sistema econômico. É por isso que as campanhas da ONU são todas direcionadas ao consumidor, que acaba agindo muito por interesse econômico e não ecológico. Por isso, há pesquisas muito sérias que identificam na modificação do modelo econômico globalizado a solução para o caos ambiental. Em especial, cito o professor Luiz Marques, da Unicamp, que escreveu um livro importantíssimo intitulado “Capitalismo e caos ambiental”. Concordo com ele: não há solução de curto prazo dentro do capitalismo. Temos tempo de sobrevivência até a superação desse modelo?