Entrevistas

Panorama das unidades de conservação no Brasil

Panorama das unidades de conservação no Brasil
Luiz Paulo Pinto

As unidades de conservação prestam múltiplos serviços ambientais, promovem oportunidades para pesquisa científica, educação ambiental e turismo sustentável. Nas últimas três décadas, vários estudos têm mostrado, com evidências científicas, que a interação com a paisagem natural está intimamente relacionada à saúde e ao bem-estar humano.

Luiz Paulo Pinto, biólogo, Mestre em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), consultor da Fundação SOS Mata Atlântica e membro do Conselho Consultivo da Amda, ressalta a importância das unidades de conservação e critica o descaso das autoridades mineiras. “A instabilidade política das instituições de meio ambiente e o sufocamento orçamentário impede o manejo adequado e eficiente do sistema estadual de proteção da biodiversidade. Além do risco de perda desse imenso patrimônio biológico do território mineiro, perde também a sociedade, por não poder usufruir com segurança e qualidade os espaços protegidos”, afirma.

Amda – Explique brevemente o que são unidades de conservação e sua importância, tanto para fauna e flora, como para a sociedade.

Luiz Paulo – A União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), a maior instituição para proteção da biodiversidade do mundo, define unidades de conservação ou áreas protegidas como “um espaço geográfico claramente definido, reconhecido, dedicado e gerido, mediante meios legais ou outros meios efetivos, de modo a alcançar a conservação a longo prazo da natureza e dos serviços ecológicos e valores culturais associados”. Trata-se, portanto, de áreas com características naturais relevantes, legalmente instituídas pelo poder público, com objetivo de conservar a biodiversidade e outros atributos naturais nelas contidos, com o mínimo de impacto humano.

As unidades de conservação continuam sendo o principal mecanismo de proteção da biodiversidade e são utilizados em praticamente todos os países do mundo. Em 2016, existiam 217.155 unidades de conservação em 244 países e territórios, cobrindo 14,7% da área continental do planeta e 4,1% dos oceanos. As unidades de conservação são elementos indispensáveis para a conservação e manutenção de amostras representativas de ambientes naturais, da diversidade de espécies e de sua variabilidade genética, além de promover oportunidades para pesquisa científica, educação ambiental, turismo e outras atividades econômicas menos impactantes.

Mesmo diante de muitas dificuldades, essas áreas podem proporcionar também múltiplos serviços ambientais, sociais e culturais à sociedade. O acesso a parques e áreas verdes vem sendo relacionado ao aumento na percepção da saúde física e mental das pessoas. Nas últimas três décadas, vários estudos têm mostrado, com evidências científicas, que a interação com a paisagem natural está intimamente relacionada à saúde e ao bem-estar humano (ex.: diminuição do stress e melhor saúde mental; melhoria do déficit de atenção em crianças; menor incidência de doenças cardíacas, respiratórias e outras doenças não transmissíveis; e maior coesão social).

Amda – A maioria da população ainda não compreende a importância de conservar essas áreas verdes. Em sua opinião, porque ainda há esse gargalo tão grande e preocupante? Como mudar isto?

Luiz Paulo – Apesar das primeiras unidades de conservação terem sido instituídas há quase 150 anos no mundo e há 80 anos no Brasil (o Parque Nacional do Itatiaia foi a primeira unidade de conservação reconhecida oficialmente no país em 1937), esse mecanismo ainda é pouco conhecido e reconhecido pelos governos e pela sociedade. O estabelecimento dos espaços protegidos no Brasil pode ser considerado um fenômeno ainda recente, com a maioria das unidades de conservação sendo criadas nos últimos 30 a 40 anos, tanto em termos de número quanto em área. O desconhecimento sobre as unidades de conservação se deve por uma estratégia deficiente de comunicação dos governos, que não tem sensibilizado a população sobre a importância dessas áreas.

Pesquisa realizada no Brasil pelo Ibope e WWF-Brasil em 2014 revela o desconhecimento e a confusão sobre os termos utilizados e associados às unidades de conservação. Mais da metade dos entrevistados (53%) nunca ouviram falar sobre “unidades de conservação”, mas sabiam sobre os “parques nacionais” (74%) e “áreas protegidas” (68%). Muitas pessoas moram ao lado de unidades de conservação e não sabem e/ou não entendem seus propósitos e benefícios. As percepções sobre as unidades de conservação são baixas também pelos conflitos de uso da terra e pela pouca atenção e sua valorização política por parte dos governantes e outras autoridades. Problemas como falta de pessoal especializado, recursos financeiros, pressões políticas, além de vários outros, dificultam a implementação efetiva de milhões de hectares em unidades de conservação e sua melhor utilização e entendimento por parte da sociedade.

Amda – Quantos hectares o país tem protegido em unidades de conservação de proteção integral? Deles, sabe quanto já foi desapropriado?

Luiz Paulo – O país possui um sistema de unidades de conservação relativamente extenso, com 2.225 unidades e reservas particulares nas três esferas político-administrativas (federal, estadual e municipal), totalizando aproximadamente 158 milhões de hectares protegidos oficialmente. As unidades de conservação de proteção integral – parque, estação ecológica, reserva biológica, refúgio de vida silvestre, monumento natural e reservas privadas (RPPN) -, as de maior relevância para a proteção da biodiversidade, representam 31% do número de unidades de conservação do sistema e 6,3% da superfície do território brasileiro. Esses números ainda precisam ser revistos, pois as informações sobre as unidades de conservação municipais precisam ser incorporadas plenamente nas bases de dados oficiais.

A regularização fundiária é um fator fundamental para a boa gestão das unidades de conservação ao evitar conflitos, reduzir os desmatamentos e contribuir para a efetiva implementação das unidades. Na esfera federal, cerca de 10 milhões de hectares das UCs, de um total de 75 milhões de hectares, ainda necessitam de regularização fundiária. A complexidade e importância do tema tem levado à cobranças e contribuições do Ministério Público Federal e Ministério Públicos Estaduais junto aos governos. A consolidação de uma unidade de conservação e sua plena utilização pela população só será possível após a conclusão da regularização fundiária.

Amda – Qual é sua opinião sobre gestão compartilhada, ou até mesmo de terceirização administrativa, de parques entre o Estado, iniciativa privada e ONGs?

Luiz Paulo – A construção do atual sistema de unidades de conservação do Brasil foi uma grande conquista para o país, com proteção de inúmeras áreas de altíssima importância biológica. Por outro lado, o sistema representa um alicerce ainda muito frágil para suportar as pressões sobre essas áreas. As limitações ligadas à extensão e representatividade do sistema, aliadas à progressiva deterioração das unidades de conservação em função de impactos externos, e a escassez de recursos financeiros para cobrir custos fixos e investimentos, não podem ser adequadamente enfrentados somente pelos governos, requerendo estratégias mais complexas, incluindo parcerias multissetoriais amparadas no melhor conhecimento técnico-cientifico.

Vários países já vêm experimentando e vivenciando parcerias com empresas, comunidades, ONGs e outros níveis governamentais, para fortalecer a gestão das unidades de conservação e seu uso público. Creio que já é um consenso que as parcerias, formais e informais, são essenciais para a implementação das unidades de conservação. É preciso testar novos modelos de governança, integrar ações, envolver diferentes expertises profissionais, recursos financeiros e capacidades institucionais, para enfrentar os enormes desafios de proteger e instrumentalizar esses espaços protegidos, garantindo os recursos humanos e financeiros adequados para a manutenção do sistema a longo prazo. Para isso, é necessário o engajamento do setor privado, como também marcos legais e processos que viabilizem esse caminho, como já fizeram outros países.

As parcerias devem valorizar as atribuições e competências de cada parte, com regras claras e ações complementares, alinhando interesses para conservação e o desenvolvimento sustentável local e regional. Em qualquer que seja a situação, a responsabilidade pela gestão das unidades de conservação sempre será pública, cabendo aos governos o papel de regulador e algumas atribuições que são indelegáveis por serem atividades típicas de estado, como a fiscalização da unidade. Os governos precisarão, portanto, estabelecer ações sistêmicas, inovadoras e integradas para manter parcerias com o setor privado e, melhor, para ter condições de monitorar a qualificação e responsabilidades dos concessionários.

Amda – Em Minas, após encerramento de contrato com as empresas terceirizadas responsáveis pela contratação de guardas-parques, o estado deixou as UCs abandonadas à própria sorte. Há casos de gerentes que estão dormindo nas portarias para fazer vigília, pois não tem funcionários. Além disso, não há previsão para chamar os aprovados em concurso público da MGS realizado no início de março. Qual sua opinião sobre a postura do estado?

Luiz Paulo – Vejo com muita tristeza e indignação as decisões políticas e o tratamento que o setor ambiental tem recebido em Minas Gerais nos últimos anos. O Instituto Estadual de Florestas, por exemplo, era uma referência nacional com projetos inovadores na gestão das unidades de conservação estaduais. Delegações de outros estados vinham com frequência visitar Minas Gerais para conhecer melhor as práticas e ações desenvolvidas pelo órgão. A instabilidade política das instituições de meio ambiente e o sufocamento orçamentário impede o manejo adequado e eficiente do sistema estadual de proteção da biodiversidade. Além do risco de perda desse imenso patrimônio biológico do território mineiro, perde também a sociedade, por não poder usufruir com segurança e qualidade os espaços protegidos.

A importância das unidades de conservação para a proteção da biodiversidade e para o bem-estar e qualidade de vida das pessoas é inegável. A participação da biodiversidade e todo capital natural como um dos pilares do desenvolvimento das sociedades foi reconhecido por dezenas de países durante a realização da Rio+20 – Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, o que foi confirmado, posteriormente, nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em uma agenda global assumida por quase todos os países do mundo. Para assumir o papel de protagonista nesse cenário, os estados e municípios necessitarão dispor de mecanismos de gestão e nova visão para o desenvolvimento que incorpore o setor ambiental de forma séria e consistente. No Brasil, estados e municípios já dispõem de algumas condições, legais e estruturais, para que possam atuar na modernização das estruturas de gestão, com novo enfoque de políticas públicas, comprometido com a proteção da biodiversidade e bem-estar da população. Basta vontade política para fazer.