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Entrevistas

Chefe da APA Carste de Lagoa Santa fala sobre desafios na gestão da unidade de conservação

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Chefe da APA Carste de Lagoa Santa fala sobre desafios na gestão da unidade de conservação
Ricardo Barbalho

Criada em 1990, a Área de Proteção Ambiental do Carste de Lagoa Santa (APACLS) possui 39.957,15 hectares distribuídos entre os municípios de Confins, Lagoa Santa, Matozinhos, Funilândia, Pedro Leopoldo e Prudente de Morais. O objetivo desta unidade de conservação é proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. E o responsável por gerenciar a APA e garantir sua preservação é Ricardo de Magalhães Barbalho, que há 24 anos atua na área ambiental. Ele conversou com a Amda e contou um pouco dos desafios enfrentados na gestão dessa unidade de conservação.

Amda – Há quanto tempo você está na área ambiental?

Ricardo Barbalho – Estou na área ambiental desde agosto de 1991, quando me transferi para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) oriundo do SENAR/MTb, onde exercia a função de Delegado (diretor) do órgão em Minas Gerais, cuja finalidade era a capacitação de mão-de-obra rural. No Ibama fui por sete anos Chefe do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Estou na APA há 13 anos e na Chefia há quatro anos.

Amda – Quais são os maiores desafios na gestão da APA?

R.B – O maior desafio na gestão de uma APA é lidar com uma busca pelo aprimoramento da legislação ambiental – especialmente do licenciamento ambiental – para assegurar a real sustentabilidade em APA;

– Envidar esforços para a revisão do plano de manejo da APA. Iniciativas para que o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) provoque o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) para editar a Regulamentação de APAs conforme exigência do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza);

– Ampliar a participação social das comunidades no conselho;

– Melhorar a articulação interinstitucional com os gestores das unidades estaduais e RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) para formação de um Mosaico;

– Ampliar o conhecimento dos moradores em relação à importância da APACLS na sustentabilidade regional.

Amda – O território da APA abrange diversos municípios além de Lagoa Santa. Em qual deles vocês enfrentam maiores dificuldades?

R.B – As maiores dificuldades hoje em relação aos municípios estão em Confins, Lagoa Santa e Matozinhos. Essas dificuldades são geradas pela indefinição no papel que o município deve cumprir em relação às questões ambientais. Estas indefinições são causadas por falta de legislação ambiental municipal e omissão do Estado em definir a atuação do município nos procedimentos do Licenciamento Ambiental. Passados cinco anos da Lei complementar nº 140/2011, ainda não se tem definidas as tipologias que serão licenciadas pelos municípios. Por outro lado, os municípios autorizam empreendimentos a se instalarem em seu território sem observância da legislação ambiental, inclusive sem as devidas anuências da unidade de conservação.

Amda – Tem sido comum a dispensa de licenciamento para empreendimentos pelo Estado dentro da APA. O ICMBio está realizando alguma articulação com a Semad no sentido de mudar isto? Se positivo, qual é a proposta?

R.B – Hoje não nos chegam mais dispensa de licenciamento dentro da APA de atividades classificadas na DN 74/04. Somente aquelas que não atingem a Classe I por serem insignificantes. Dentro da APA as atividades classe I e II passam automaticamente para a Classe III, portanto não se emite mais AAF dentro da APA Carste. As dispensas de licença que afeta profundamente a unidade de conservação são aquelas cujas atividades não constam na lista da DN 74/04. Para nós, um equívoco do Estado, pois todas as listas de atividades potencialmente poluidoras são listas exemplificativas. Elas estão sendo dispensadas sem analise e avaliação de seu potencial impacto. Já interpelamos a Supram (Superintendência Regional de Regularização Ambiental), mas não tivemos nenhuma resposta até o momento.

Amda – Em sua opinião, a qualidade ambiental da água e biodiversidade dentro da APA tem melhorado ou piorado? Por quê?

R.B – Não temos como avaliar se tem melhorado a qualidade da água. A UC tem empreendido esforços no sentido de monitorar a qualidade do lançamento de efluentes sanitários após o seu tratamento em ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto), assim como no sentido de exigência de instalação de estações de tratamento e fossas sépticas de acordo com as normas ANBT pertinentes.

Quanto à biodiversidade, nos empenhamos no sentido de exigir ao máximo as restrições de desmate e de usos permitidos estabelecidas em zonas específicas do Zoneamento Ambiental, condicionar as autorizações à exigência de averbação de reservas legais inclusive no perímetro urbano, no sentido de incorporação das compensações estabelecidas na legislação estadual, especialmente a do Decreto de criação da APE – Aeroporto, além de exigências de recuperação de áreas degradadas.

Amda – No início deste ano, o prefeito de Lagoa Santa enviou ofício a uma promotora do Ministério Público Federal colocando em dúvida os procedimentos adotados pela gerência da APA de forma desqualificadora em relação à legalidade do licenciamento ambiental no município, o que causou repúdio de diversas instituições. Qual o fundamento de tais alegações e quais medidas foram tomadas?

R.B – Esta situação foi gerada a partir de um pedido da Administração da APA ao Ministério Publico Federal no sentido de recomendar aos municípios que se inserem na unidade de conservação para que os mesmos observassem a legislação ambiental no momento de autorizarem a implantação de empreendimentos dentro da APA. Fundamentamos tal pedido apresentando alguns exemplos de empreendimentos autorizados pelos municípios sem nenhuma análise do ponto de vista ambiental.

Por iniciativa da Promotora Federal, ela encaminhou aos municípios e à Semad (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) para se pronunciarem sobre o pedido da APA. Assim houve manifestações dos municípios e da Semad em relação à questão proposta.

O município de Lagoa Santa, no ímpeto de se defender, pois os exemplos apresentados ocorreram em seu território, partiram para um ataque pessoal ao Chefe da APA. Tomamos conhecimento das manifestações dos municípios e da Semad quando fomos instados pela PRMG a manifestar sobre as respostas deles.

Nossa manifestação foi no sentido de nos defender das acusações proferidas pelo município de Lagoa Santa e de esclarecer novamente à Promotora Federal de nosso propósito inicial. Bom que se diga que foi somente o município de Lagoa Santa a se pronunciar daquela forma.

Até então, não tivemos conhecimento de nenhum procedimento da PRMG em relação ao caso e a demanda ainda persiste, pois estamos enfrentando muitos problemas com empreendimentos sendo autorizados dentro da APA sem passar pelo crivo ambiental estabelecido em lei.

Por outro lado, a administração da APA tem feito esforços ampliando as tratativas com os municípios no sentido de uma integração institucional, mas mesmo assim continuam as dificuldades, pois envolvem interesses econômicos e políticos para que os empreendimentos se instalem nos municípios a qualquer custo.

De toda forma, acreditamos que está havendo uma evolução com a busca de integração da gestão da APA Carste. Os municípios já estão se conscientizando da necessidade de um controle ambiental das atividades potencialmente poluidoras dentro de seu território, apesar de lhes faltar muitas condições estruturais para esse exercício, necessitando menos omissão e mais apoio do estado.