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Entrevistas

Carência de recursos humanos, financeiros ou inabilidade política dificultam extinção dos lixões brasileiros

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Carência de recursos humanos, financeiros ou inabilidade política dificultam extinção dos lixões brasileiros
Renato Teixeira Brandão

Os municípios brasileiros tiveram quatro anos para extinguir os lixões e se adequarem à Lei 12.305/2010, conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Mas o prazo, que terminou em agosto deste ano, não foi suficiente. Dos 853 municípios de Minas Gerais, 533 ainda dispõem seus resíduos sólidos urbanos em lixões ou aterros controlados.

Segundo a legislação, as cidades devem fazer a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, “resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada”.

O governo cogitou prorrogar por mais quatro anos o prazo para fim dos lixões, mas acabou vetando a proposta na primeira quinzena deste mês. Agora, está em negociação o aumento do prazo por dois anos. Para Brandão, o simples fato de se prorrogar o prazo não trará resultados práticos. “Prorrogar este prazo poderia levar a um descrédito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, sem, no entanto, garantir o cumprimento de uma solução adequada. Se esforços conjuntos não forem articulados, daqui a dois ou quatro anos, o cenário poderá estar na mesma situação de hoje”, afirmou Renato Teixeira Brandão, diretor de Gestão de Resíduos da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam).

Confira a entrevista:

Amda – O prazo para os municípios brasileiros acabarem com os lixões terminou em agosto deste ano, mas grande parte não cumpriu a legislação. Minas Gerais está incluída neste grupo?

Renato Teixeira Brandão – Infelizmente sim. Mesmo após os esforços concentrados nos últimos 11 anos, desde a criação do Programa Minas sem Lixões, em 2003, quando Minas Gerais registrava apenas 17% da população atendida por disposição final adequada de RSU [resíduos sólidos urbanos]. Já ao final de junho de 2014, Minas Gerais registrou a marca de 60,34% deste indicador. No entanto, até outubro de 2014, esse valor caiu para 55,29% devido à perda da regularização ambiental de alguns empreendimentos. Segundo dados da Gerência de Resíduos Sólidos Urbanos da Feam (GERUB), tendo como base os valores apurados até outubro de 2014, ainda existem 258 municípios dispondo seus RSU em lixões e 275 em aterros controlados, que se constituem em uma forma paliativa de disposição, não sendo considerado como tecnologia ambientalmente adequada.

Amda – Como está a situação de Belo Horizonte?

RTB – Segundo informações da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, os resíduos da capital mineira são encaminhados para disposição final no aterro sanitário licenciado em Sabará, denominado CTR Macaúbas, pertencente ao grupo Vital Engenharia.

Para o transporte dos resíduos é utilizado o sistema de transbordo para otimização do transporte dos resíduos, em unidade denominada Estação de Transbordo, instalada na central de tratamento de resíduos sólidos da SLU, onde também operam: a central de reciclagem de entulho, unidade de recebimento de pneus inservíveis e programa de compostagem de resíduos orgânicos. A referida central abriga o antigo aterro sanitário de Belo Horizonte, encerrado em 2007, devido ao esgotamento de sua vida útil. Este antigo aterro é utilizado para aproveitamento energético do biogás, através da geração de energia elétrica que é comprada pela Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) e distribuída em sua rede.

Amda – Qual a quantidade de lixo produzida pela capital mineira anualmente?

RTB – Segundo informações da SLU, por dia, são recolhidas em Belo Horizonte:

– cerca de 1.800 toneladas de resíduos da coleta domiciliar (cidade formal e de vilas e favelas);
– cerca de 30 toneladas de resíduos da coleta hospitalar;
– cerca de 300 toneladas de deposições clandestinas;
– cerca de 20 toneladas de materiais recicláveis (papel, metal, plástico e vidro).

Amda – A coleta seletiva já é feita por dezenas de cidadãos. Quantos bairros de BH possuem o serviço?

RTB – Segundo informações da SLU, a coleta seletiva em Belo Horizonte atende 34 bairros e conta com 88 pontos de Locais de Entrega Voluntária (coleta seletiva ponto a ponto), que juntos coletam em média 20 toneladas dia.

Amda – O que faltou para as cidades acabarem de vez com os lixões?

RTB – Minuta de resposta: Adoção de soluções amparadas em planejamento de curto, médio e longo prazos, que estivessem amparados em mecanismos de cobrança que garantissem a sustentabilidade econômico-financeira dos sistemas implantados. Percebe-se que muitos municípios chegam a implantar sistemas adequados, porém, em um curto horizonte de tempo tais sistemas retornam à condição de lixões ou aterros controlados, refletindo a má operação dos sistemas implantados, e caracterizando a falta de sustentabilidade desses sistemas.

Há também a carência de um planejamento integrado dos resíduos, conforme determinam as Políticas Nacional e Estadual de Resíduos Sólidos, priorizando as etapas de não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final dos rejeitos.

Muitos gestores municipais ainda não internalizaram as diferenças entre resíduos e rejeitos, a gestão compartilhada como forma de se alcançar a sustentabilidade dos sistemas de gerenciamento de RSU, bem como a necessidade de se entender os resíduos como um bem de “valor econômico e social, gerador de trabalho e renda, e promotor de cidadania” (inciso VIII, artigo 6º da Lei 12.305/2010).

Finalmente, outro ponto fundamental que poderá contribuir significativamente para a busca por soluções adequadas, passa pela construção dos acordos setoriais, definindo a participação efetiva de cada um dos atores envolvidos na logística reversa dos produtos, sob o aspecto da análise do ciclo de vida dos produtos.

Amda – Sabemos que a vontade política é grande influenciador. Qual a sua opinião sobre a atuação dos governantes, especificamente os de Minas, quanto à extinção dos lixões?

RTB – Pode-se dizer que muitos gestores municipais mineiros, a despeito de todas as dificuldades encontradas para a regularização ambiental da disposição dos resíduos sólidos urbanos, têm conseguido êxito em suas experiências. Em outra via, percebe-se que muitos governantes ainda apresentam grandes dificuldades em trabalharem o planejamento da gestão dos resíduos sólidos, quer seja pela carência de recursos humanos capacitados, quer seja pela carência de recursos financeiros, ou por inabilidade política em reverter a situação a seu favor.

Amda – Quais riscos os lixões trazem ao meio ambiente? E à população?

RTB – Proliferação de vetores de doenças (moscas, mosquitos, baratas, ratos, entre outros), geração de gases causadores do efeito estufa, odores desagradáveis e, principalmente, poluição do solo, do ar e das águas superficiais e subterrâneas pelo chorume/lixiviado – líquido de coloração escura, malcheiroso e de elevado potencial poluidor, produzido a partir da decomposição da matéria orgânica contida nos resíduos, somado à água de chuva infiltrada no solo, ocasionando a lixiviação de diversas substâncias contidas na mistura lixo/solo.

Há ainda que se destacar a desvalorização dos terrenos no local e no entorno das áreas de lixões.

Amda – Explique a diferença entre lixão e aterro sanitário.

RTB – O lixão é caracterizado pela disposição descontrolada de resíduos no solo, sem nenhum critério técnico, a céu aberto. Segundo a NBR 8419/1992 da ABNT, o aterro sanitário é uma técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, que visa minimizar os danos à saúde pública e os impactos sobre o meio ambiente. Esse método utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área e reduzi-los ao menor volume possível, recobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada trabalho, ou intervalos menores, se necessário.

Este método de disposição final dos resíduos deve contar com todos os elementos de proteção ambiental:

– sistema de impermeabilização de base e laterais;
– sistema de recobrimento diário dos resíduos;
– sistema de cobertura final das plataformas;
– sistema de coleta e drenagem de líquidos percolados;
– sistema de coleta e tratamentos dos gases;
– sistema de drenagem superficial;
– sistema de tratamento de líquidos percolados;
– sistema de monitoramento.
*Fonte: Cartilha Feam.

Amda – A substituição dos lixões por aterros sanitários é suficiente para proteger a natureza e a saúde dos cidadãos?

RTB – Não. De fato, enquanto no Brasil ainda buscamos a substituição dos lixões por aterros sanitários, nos países desenvolvidos esta prática já é evitada, por se entender que os aterros sanitários são passivos ambientais para o futuro. Mas o emprego dos aterros sanitários em substituição aos lixões já é um grande avanço para a proteção ambiental e para a saúde humana. Mas isso não basta. É fundamental que busquemos ações relativas a não geração de resíduos, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos. A disposição final em aterros sanitários é o passo final das etapas do gerenciamento dos resíduos sólidos, e deve ser dada apenas para aquela parcela dos resíduos que inevitavelmente foram gerados, e para os quais não se foi possível praticar a reutilização ou a reciclagem, ou seja, aquela parcela conhecida como rejeito.

Amda – O governo cogitou prorrogar por mais quatro anos o prazo para fim dos lixões, mas acabou vetando a proposta na primeira quinzena deste mês. Agora, está em negociação o aumento do prazo por dois anos. O senhor concorda com a proposta?

RTB – Entendo que o simples fato de se prorrogar o prazo não trará resultados práticos. Prorrogar este prazo poderia levar a um descrédito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, sem, no entanto, garantir o cumprimento de uma solução adequada. Se esforços conjuntos não forem articulados, daqui a dois ou quatro anos, o cenário poderá estar na mesma situação de hoje.

Amda – A autorização de novos prazos para extinção dos lixões abre brecha para os municípios demorarem cada vez mais para cumprir a legislação. O que fazer para que isto não aconteça?

RTB – É necessário que esforços conjuntos sejam articulados e intensificados, com o intuito de se firmarem acordos efetivos para os setores que estão sendo discutidos no âmbito da logística reversa. Também é urgente a necessidade da criação de incentivos fiscais e creditícios, em paralelo a uma política de desoneração tributária ao longo de toda a cadeia de materiais recicláveis/ reutilizáveis; o estabelecimento de mecanismos mais efetivos para acesso, pelos gestores municipais, aos recursos financeiros da União, bem como uma política de fortalecimento das ferramentas de gestão de políticas públicas, visando a sustentabilidade econômico-financeira das soluções a serem implantadas.

Amda – Qual é o papel da sociedade neste momento de negociação do prazo?

RTB – Na verdade o grande poder de transformação da realidade atual na qual nos encontramos, está nas mãos da sociedade. A promulgação da Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, somente foi possível, pois a sociedade estava organizada e clamando por uma decisão mais efetiva com o intuito de se buscar uma gestão mais adequada dos resíduos sólidos. Uma prova disto reside no fato de que por quase duas décadas o projeto de lei ficou tramitando no Congresso Nacional, sem conseguir um ambiente que favorável para sua aprovação até 2010. No entanto, neste momento é fundamental que a sociedade novamente esteja articulada em torno de buscar a execução de fato desta política pública, pois a execução de uma lei que traz avanços consideráveis para a sociedade somente se viabiliza se esta surge como uma resposta aos anseios da sociedade. Caso contrário, teríamos a típica “lei que não pega”. Por exemplo, um gestor municipal não sentirá segurança política em tomar medidas de cobrança para dar sustentabilidade econômico-financeira ao gerenciamento dos resíduos, enquanto sentir que seu eleitorado não se importa com a condição da disposição de seus resíduos em lixões a céu aberto, atrelada à desumana condição da catação de resíduos nestes locais, além dos inúmeros impactos sobre a saúde e o meio ambiente, associados aos lixões.