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Entrevistas

Nós não somos donos do planeta

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Nós não somos donos do planeta

Ian Lowe é professor na Universidade Griffith, em Brisbane, Austrália, e presidente da Australian Conservation Foundation (Fundação Australiana de Conservação). Suas pesquisas dizem respeito à influência das decisões políticas sobre o uso da ciência e da tecnologia, especialmente nos domínios da energia e do ambiente. Em 2002, recebeu a “Medalha de Centenário”, por contribuir para a ciência ambiental. Foi também árbitro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Professor Lowe foi convidado a participar do “Diálogos da Terra no Planeta Água”, fórum de discussão da sustentabilidade do planeta que ocorreu em Minas Gerais, em novembro último. Nesta entrevista ao AMBIENTE HOJE, o australiano afirma que a mobilização social e a mudança de postura nas relações econômicas internacionais conduzem ao desenvolvimento sustentável.

O que mais se discute atualmente é o conceito de sustentabilidade. Existem estratégias de desenvolvimento que possam aliar crescimento econômico, justiça social e preservação ambiental?

Acredito que podemos ter ainda mais atividades econômicas que existem hoje com menos danos ambientais, utilizando tecnologias melhores e diminuindo o desperdício. Existem, por exemplo, estudos respeitáveis que garantem que podemos viver com os mesmos níveis de conforto material, utilizando apenas ¼ dos recursos que utilizamos hoje. É também totalmente possível atender às necessidades básicas das pessoas mais pobres do mundo dentro dos limites dos sistemas naturais. Agora, é claro que a sociedade não pode ir se expandindo infindavelmente num sistema fechado. Uma sociedade sustentável tem de estabelecer alguns limites com relação ao uso de recursos naturais que utiliza, sem que isso atrapalhe seu desenvolvimento econômico. Posso citar uma analogia interessante entre atividade econômica e utilização de recursos naturais. Imaginemos uma biblioteca que tem dez mil livros. Nem todos os usuários levarão os mesmos livros, tampouco essa biblioteca disponibilizará sempre os mesmos exemplares. Alguns livros serão substituídos e aqueles que estiverem em piores condições possivelmente serão descartados. O que eu digo é o seguinte: sempre que eu tiver livros e resolver vendê-los para outras pessoas, terei feito transações econômicas. Mas, se crio uma biblioteca, posso simplesmente emprestar meus livros, cada semana, para uma pessoa diferente. Ou seja, é possível continuar gerando um retorno econômico maior em cima de um mesmo recurso.

Como o senhor analisa a posição do Brasil na área ambiental?

Eu não sei se é correto uma pessoa que veio de fora chegar ao país e já ser crítico com relação à posição do país. Eu costumo ser mais critico com relação ao meu próprio governo do que com o de outros países. Apesar disso, posso dizer que em negociações como as do protocolo de Kyoto, países como o Brasil desempenharam papel significativo, defendendo que as nações desenvolvidas precisavam dar o primeiro passo de um acordo global. Eu concordo plenamente com isso. Acredito também que um acordo global só pode ser pensado se considerarmos que todo ser humano tem de ter direitos iguais, indiferentemente do país onde vivem.

A eleição de Barack Obama pode promover um novo ciclo de desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental?

A eleição de Baraka Obama indica mudanças. Uma de suas primeiras medidas foi reunir governadores americanos para tratarem da crise financeira. Ao longo dos últimos oito anos, os Estados Unidos se recusaram a ratificar o protocolo de Kyoto e colocaram obstáculos nesses acordos internacionais. Já na noite em que foi eleito, Obama lembrou: sabemos de nossos desafios, duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira em um século. Essas foram palavras de Obama. Ou seja, ele entende da coisa. George Bush não entendia. Na Austrália, também tínhamos John Howard, que era nosso Bush de óculos, já que também parecia não entender a situação. Já Kevin Rudd, agora entende a situação, compreende que existe uma crise financeira, mas que não podemos esquecer do tema ‘alterações climáticas’. Disseram-me que o Obama tem a intenção de se reunir com líderes chineses para falarem sobre alterações climáticas. Os diplomatas encorajam este encontro.Mesmo que existam outros temas na relação entre Estados Unidos e China, referente às questões comerciais, com relação às questões climáticas, os dois países compartilham do mesmo interesse em resolver o problema.

Existem chances de avanços nas discussões pós-Kyoto para novos compromissos dos países após 2012 e cortes mais profundos nas emissões de gases-estufa?

A situação é séria demais para o luxo de ser pessimista. Mesmo que não existam bases racionais para o otimismo, prefiro acreditar que se aumentar o número de pessoas desejando mudar a situação, o problema pode ser solucionado. Por exemplo, quando se começou a discussão sobre os produtos que emitem clorofluorcarbono (CFC), a comunidade global realmente percebeu a dimensão do problema da destruição da camada de ozônio e foram feitos acordos globais para tratar deste tema. Até mesmo pessoas que estavam na extrema-direita, como Margaret Thatcher, entenderam os sinais do problema e chegaram a essa conclusão: nós realmente não somos os donos do planeta, nós somos simplesmente inquilinos, temos de pagar pelo aluguel do planeta e manter o imóvel em boas condições. É parecido com o que Arnold Schwarzenegger está fazendo na Califórnia, que, se fosse um país isolado, seria a 6ª economia do mundo. Ele tem um compromisso de reduzir as emissões em 18% e está colocando pressão em cima da indústria automotiva e também do setor de energia. Não porque ele é um ambientalista radical, mas porque lê as pesquisas de opinião e sabe realmente o que a comunidade quer. Eu, há dez anos, venho dizendo que não se pode programar mudanças convencendo um ou dois líderes. Realmente, só vamos ter transformações definitivas se conseguirmos levantar o nível de conscientização pública, de forma que quem estiver no poder terá que reagir às novas expectativas da população.